O despertar se parece com a experiência de olhar uma figura reversível. Aqueles que já olharam uma figura em que aparecem simultaneamente os traços de uma velha e de uma moça podem entender essa analogia. Quando você olha e vê uma moça não vê a senhora. Quando vê a senhora não vê a moça. Na mesma figura há a velha e há a moça, as duas estão ali presentes, mas quando olha uma não vê a outra e a diferença está no nosso olhar.
Na verdade toda a nossa experiência de vida tem o mesmo aspecto. Podemos olhar uma crise como uma oportunidade e podemos olhar uma crise como uma tragédia. Podemos olhar a morte como uma libertação e podemos olhar a morte como um fim trágico. A diferença sempre está no olhar.
O nosso despertar não é uma mudança do mundo em volta e sim uma mudança dos nossos olhos. Pequenas experiências de despertar estão disponíveis para os praticantes que mal iniciam, elas não são raras. O mesmo mundo prosaico pode ser um mundo maravilhoso. Um caminho revestido de pedras e molhado pela chuva pode ser um lugar escorregadio para pisar, pode ser simplesmente um local molhado ou pode ser uma obra de arte, tudo depende de você.
Quando sentamos em zazen e nos focamos no momento presente queremos descondicionar nossa mente da sua incapacidade de ver maravilhas pelo fato de estar coberta por um véu de pensamentos e interpretações ilusórias. Podemos abrir nossos olhos e ver as pessoas todas diferentes umas das outras e isso provocar a classificação e discriminação. Mas aquele que vê a maravilha da existência e da multiplicidade de formas como uma riqueza vê em cada diferença sua própria beleza e assim não cria divisões e nem separações.
Aquele que desperta pode a qualquer momento ver as figuras reversíveis em todas as coisas e tudo que aos outros parece prosaico para eles parece arte. Por isso os mestres zen desenvolveram tantas artes, como a cerimônia das flores, arranjos florais, a cerimônia do chá, poesias, caligrafia, pintura, e várias outras artes. Todas voltadas a uma redescoberta do olhar, a uma manifestação espontânea e simples. Encontrando beleza onde ela estava escondida.
Nós praticamos na esperança de remover um pouco o véu das nossas mentes de modo a podermos ver o outro lado de todas as coisas. Que o caminho de Buddha fique claro para todos nós.
Teishô Matinal proferida por Meihô Genshô Sensei, dezembro de 2020.