O Sermão de Huineng - Parte III | Monge Genshô

O Sermão de Huineng - Parte III | Monge Genshô

(…) “a natureza própria abarca as dez mil coisas, as dez mil coisas constituem a natureza própria”.

Esses termos “dez mil coisas” ou “84 mil” são maneiras de dizer muitas, incontáveis, na tradição indiana. Então não considerem que seja uma contagem específica de algo.

“Se ante o que consideramos bom ou mal, justo ou injusto, não experimentamos nem atração e nem aversão, então nosso espírito está vazio com o espaço. Mas há seres cegados que esvaziam sua mente até o ponto de não pensar em nada e que se autodenominam grandes. Só é grande aquele que reconhece pela prática a capacidade imensa do espírito que penetra o dharmadhata”.

Dharmadhata quer dizer o mundo da lei, o universo inteiro a totalidade imutável.

“E no qual se produzem os fenômenos que nascem e morrem. A que chamamos Prajna? Prajna é a sabedoria suprema”.

Explicando: a sabedoria suprema é a sabedoria imediata, intuitiva, que se opõe a suposta sabedoria abstrata, que é produzida pelo intelecto.

“Essa sabedoria suprema, Prajna, que nela em nenhum instante, nenhum pensamento procede da ignorância, tal é a prática da sabedoria. Se um só pensamento procede da ignorância a sabedoria desaparece e se um só pensamento nasce com conhecimento a sabedoria nasce com ele”.

Vejam que Huineng está distinguindo uma sabedoria que é produzida pelo intelecto, pelo raciocínio e que encanta todos nós que fomos educados no pensamento discursivo, intelectivo.

É interessante observar que a filosofia ocidental tem por volta de 2.400 anos de idade, mas obra por obra, tese, antítese, síntese, nunca chegaram a uma solução final. A solução mais próxima de um final no século XX aparece com Wittgenstein, um brilhante filósofo e sua proposta final é que a linguagem e o raciocínio são incapazes de dar conta dos problemas filosóficos e essa declaração é a mesma do budismo, de 2.500 anos atrás.

É impressionante que a filosofia tenha, em idas e voltas, discurso após discurso, gênio após gênio, chegado até essa conclusão de Wittgenstein que praticamente coloca um ponto final no discurso e que é idêntica, na verdade, ao ensinamento original de Buddha. Então, a sabedoria não nasce do discurso, mas sim de uma compreensão intuitiva instantânea e imediata que é alcançada através da prática do zazen, onde calamos a mente discursiva para permitir espaço para que essa sabedoria surja e para que a compreensão nasça dentro de nós. (Continua)

Teishô proferido por Meihô Genshô Sesnei, Daissen-virtual, março/2022.