A Igualdade Universal no "Dō" | Monge Genshō

A Igualdade Universal no "Dō" | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

Vamos comentar agora o título Sandōkai, nele, “san” significa a infinita multiplicidade de seres e coisas existentes no mundo, nos quais os fenômenos do universo expressam suas variadas formas, estados e condições. “Dō” significa igualdade em termos e amplitudes universais.

As várias formas de vida do universo com sua infinidade de seres e coisas distintas, prossegue Mokugen Rōshi, com suas diversas condições, suas mudanças constantes, por fim tornam-se algo único, revelando, assim, a igualdade universal. Ao transcendermos os dualismos discriminatórios, todo o universo passa a ser uma só unidade. O ideograma “Dō” , além de igualdade universal, também apresenta vários outros significados com relação aos seres, como responder adaptando-se aos outros, assimilando-se aos outros, harmonizando-se com os outros, fundindo-se aos outros, enquanto simultaneamente preservam suas posições individuais.

Esse é um dos motivos tão importantes da existência da sangha e da sangha ser uma joia da prática budista. Porque é na sangha que você percebe que tem grande dificuldade com a sua individualidade. É porque pertencemos à sangha que surgem nossas ideias. Eu tenho uma opinião, o outro tem outra opinião. Eu acho uma coisa, o outro acha outra. A minha sangha é diferente, ou a sangha de tal cidade é assim, e a sangha de outra cidade é assada.

Nós temos o hábito da nossa mente classificatória. Diz Saikawa Rōshi que a nossa própria linguagem nos conduz a esse engano, sempre entendendo as coisas através de classificações, certo, errado, bom, ruim, alto, baixo, direita, esquerda. Todo o tempo queremos classificar e discriminar. E temos grande dificuldade quando alguém diz, não sou isto nem aquilo.

Eu vivi muito tempo no Rio Grande do Sul, e lá, O radicalismo dual é uma coisa muito antiga, impregnada na cultura. Existem revoluções em que maragatos e chimangos, dois grupos com ideias políticas diferentes, se mataram em grande quantidade, com execuções de centenas de pessoas ao mesmo tempo, degoladas. Isso sucedeu em 1923, numa das revoluções regionais, para quem leu O Continente de Érico Veríssimo, viu o quanto as revoluções e as guerras intestinas fizeram parte da cultura gaúcha.

Hoje, no Rio Grande do Sul, é normal, quando você é apresentado a alguém, ele perguntar se você é Grêmio ou Internacional. Felizmente, saiu da guerra e da revolução para uma rivalidade esportiva. Mas eu participei de reuniões de negócios no Rio Grande do Sul, em que um empresário dizia que não ia fazer negócios com um fulano porque ele não era do seu clube. E você não podia contestar nada. Era muito, muito estranho, quando alguém me perguntava, você é gremista ou colorado? E eu dizia, não, nem um, nem outro. Mas como? Nunca fiz essa escolha. Isso não passou pela minha cabeça, colocar uma bandeira ou vestir uma camiseta e brigar com pessoas do outro grupo só porque assumi uma identidade. Essa ideia está profundamente impregnada na nossa própria nação, em ideias políticas de todo tipo.

Por isso que criamos uma regra de que na Daissen isso não interessa, e que isso não vai ser discutido ou falado dentro das comunidades, dentro das sangha. Mas, na verdade, mais a fundo, o verdadeiro ensinamento é que você não pode permitir-se assumir posições extremas ou excludentes. Do tipo, eu sou isso, o outro é aquilo. Porque todas essas posições, significam a perda da noção de igualdade universal, que está no ideograma “Dō”, de Sandōkai. Nós somos, na verdade, iguais e podemos transitar por diferentes posições, mas qualquer posição extrema será um engano.

É muito mais lógico que você tenha posições mistas ou moderadas em relação a uma posição ou outra. Mas as posições extremas, provavelmente implicarão em algum engano. Nós, como indivíduos que estamos na prática do Zen, devemos abdicar de colocar em nós mesmos rótulos ou etiquetas. Eu sou isto ou eu sou aquilo e todo o resto eu excluo ou não aceito. Não deveria ser assim. Nós deveríamos estar sempre abertos a entender todas as posições e aspectos. Não olhar apenas um aspecto de uma coisa, mas olhar múltiplos aspectos.

Os seres e coisas, prossegue Mokugen Rōshi, como são, com suas singularidades, de acordo com sua causalidade, conforme a ocasião, respondem e manifestam-se, dando vida a outros seres e coisas, enquanto continuam expressando suas essências individuais. Então, todos os seres e coisas do universo estão sujeitos ao estado de discriminação e às mudanças constantes. Porém, no estado de igualdade universal, todos os seres e coisas formam algo único.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual 29 em junho de 2024.