Ver com Clareza | Monge Genshô

Ver com Clareza | Monge Genshô

Pergunta: Então um ser iluminado não sofre com o sofrimento do próximo?

Genshō Sensei: Não sofre propriamente, mas ele sente profundamente. Qual é a sua profissão?

Pergunta: Eu tenho uma empresa.

Genshō Sensei: Ok, como dono de uma empresa, às vezes, por exemplo, você tem que mandar uma pessoa embora. Você sabe que é necessário mandar aquela pessoa embora porque ela está perturbando o conjunto. Para aquela pessoa é um sofrimento a demissão, e você entende que é um sofrimento, mas você sabe que deve fazer aquilo porque o bem maior pede isso, não é assim?

Nesse momento você está agindo de uma forma que é de compreensão do mecanismo de funcionamento de uma empresa. Se você tiver uma compreensão profunda de que está fazendo exatamente o certo e o bem para a maioria, você pode ir para casa e dormir. Mas se você tiver dúvida sobre isso, se sentir o sofrimento daquela pessoa mesmo que você saiba que está fazendo certo, então você vai para casa e não dormirá bem, mesmo que essa pessoa não saiba, que acredite que você seja implacável, má, etc. Essa é a diferença. Compreensão profunda. Quanto mais profunda a compreensão, mais você compreende, mais não sofre. Mesmo a morte: é uma morte, mas você sabe os sofrimentos que estão implícitos, que existem, você sabe que todos irão morrer. Buda tentou ensinar isso muitas vezes, mas é muito difícil.

Chega uma mulher chamada Gotami, com seu filho morto nos braços, pedindo a Buda que o ressuscite. Buda disse que ressuscitaria sim, se ela trouxesse um grão de mostarda de uma casa onde nunca tivesse morrido ninguém. Gotami então percebe que o que ela estava pedindo era impossível e era injusto, porque seria um privilégio de que todos não participam. Além do que, se você tiver uma visão clara a respeito dessas coisas, verá que se ninguém morresse o mundo ficaria impossível. Então, na verdade, nós olhamos uma morte e sofremos por ela, no entanto nós temos que morrer. Se nós descobrirmos uma maneira de não morrer, aprendermos a ser imortais, nós teremos que proibir os nascimentos, ou achar outro lugar para alocar o excesso, porque não dá. Já somos demais nesta Terra. Esta Terra talvez funcionasse bem com um bilhão e meio de habitantes, mas não com sete, oito – é demais, nós sabemos.

Esses dias um monge escreveu para mim reclamando sobre isso, sobre o que o homem estava fazendo na Terra. E eu disse: “sim, o lógico, o óbvio seria que nós eliminássemos seis bilhões de pessoas”. Eu só quero saber quem faria isso. Como vai se fazer uma coisa dessas? Talvez diminuindo os nascimentos, como fez a China. Mas vocês, quando estão em casa, pegam bactericidas e substâncias que matam animais para higienizar a casa toda. Ninguém diz: “coitadinhos dos bilhões e bilhões de bactérias que eu matei hoje”, todo mundo acha certo porque para isso nós vemos com clareza, mas para outras coisas não vemos.

Ver com clareza é o que nós estamos procurando também, mas para isso é preciso optar por não se deixar iludir com nenhuma coisa, com nenhuma crença, com nenhuma ilusão e olhar todas as coisas como exatamente são, de frente, sem se esconder atrás de crenças confortáveis. Isso é tão difícil que, no fim, no zen, há pouca gente, porque não é isso que as pessoas querem ouvir.

Nós estávamos falando antes da palestra que para ter um auditório cheio com duas mil pessoas era só espalhar cartazes pela cidade dizendo: “vem um monge aí, ele cura unha encravada, traz amor perdido, remove todo sofrimento e rejuvenesce os velhos”. Se assim nos posicionássemos, teríamos duas mil pessoas ou mais. Mas na realidade não é isso que acontece. Todos os monges zen do Daissen-Ji têm que trabalhar para viver, porque é impossível você viver apenas como monge dizendo a verdade. A verdade não dá dinheiro, não é consoladora e é difícil de engolir.

Bem-vindos ao zen.