O Treinamento e o dia-a-dia | Monge Genshô

O Treinamento e o dia-a-dia | Monge Genshô

Pergunta: Quão normais são as flutuações no treinamento? Por exemplo, é comum a monges muito experientes voltarem a um estágio básico de desatenção?

Genshō Sensei: com certeza. Há uma história de Tozan a este respeito. Tozan mantinha a sua mente em um estado de calma tão grande que a mente dele não viajava. Havia uma deidade no templo que só podia ver as pessoas quando elas moviam a mente, preocupando-se com questões e pensando em coisas aleatórias. Essa deidade não conseguia ver Tozan. Então ela foi até a cozinha, pegou um pouco de farinha e jogou no chão, de modo que o mestre Tozan, que vinha caminhando, ainda invisível para esta deidade, viu a farinha caída no chão. Pensou: “como alguém pode ser tão descuidado?”. Neste momento, a deidade pôde ver Tozan, mas logo a seguir Tozan voltou à sua calma habitual e desapareceu para a deidade.

Essa história mítica pretende mostrar exatamente isso que você perguntou: dependendo do treinamento e de quão profundo ele é, mais centrado será o praticante. Os monges não são mais nada além de praticantes, e os mestres nada mais são do que praticantes um pouco mais adiantados. Para que não haja nenhuma falha, o nível tem que ser altíssimo. Então vai haver flutuação de acordo com as circunstâncias que vão aparecendo.

O treinamento vai criando uma profundidade cada vez maior, e há muitos estágios. A questão é: quais são os fatos que nos perturbam? Pode haver fatos que nos perturbam facilmente, ou pode ser que a maioria dos fatos não nos perturbe; mas alguns fatos, mais sérios, acabarão perturbando – isso depende do nível.

Uma vez sentei-me na frente do meu professor e disse: “eu sou um praticante muito ruim, porque se acontece algo, por exemplo, com um de meus filhos, eu fico muito perturbado, fico muito incomodado”. E Saikawa Roshi disse assim: “mas nós somos muito frágeis. Tenho duas filhas, e, se acontecer algo com uma delas, eu vou ficar como um louco”. Eu disse: “ah, muito obrigado!”. Foi um alívio. Então eu sei qual era a lição que estava ali: você vai praticar e vai subir de nível, mas sempre haverá coisas que são novamente perturbadoras, e você será atingido por elas, de modo que, naquele momento, você perceberá que não chegou ao ponto de controlar aquele tipo de emoção.

Então, de um lado temos que ser exigentes conosco, e de outro temos que admitir que querer ser perfeito é uma ambição muito idiota. É melhor você reconhecer logo que você não é tão bom assim. Se você reconhecer que não consegue já é um nível melhor.