Mente de principiante - Parte 2 | Monge Kōmyō

Mente de principiante - Parte 2 | Monge Kōmyō

[CONTINUAÇÃO]

O Genshō Sensei fala que o Zen é “enganadoramente fácil, enganadoramente simples”. Certamente ele quer dizer é que a técnica é simples, mas o que há por trás dessa técnica exige muito. A medida em que o tempo passa, na prática Zen, um pequeno módico de experiências que nós obtemos parece muito leve comparado ao grande volume de frustrações, de dores no corpo, de distrações, e principalmente, nos vários e vários minutos em que nós sequer estamos atentos a quem nós somos e o que nós estamos fazendo. Mas esse módico é fundamental. E é a prova de que para que a mente humana possa se engrandecer, para que o indivíduo – vocês – possam se tornar pessoas melhores, compreender o que realmente significa compaixão, amorosidade, fraternidade.

O que é preciso para que nossa mente mude é de fato muito pouco. Esse pouco, entretanto, é árduo de atingir, de vivenciar. Há um ditado no Zen, dos vários que existem, sempre muito bons, que diz “Não esqueça da mente de principiante”. É um ditado japonês.

Eu sempre procuro ensinar a vocês que a prática não deve e nem pode ser perfeita, porque nós somos seres humanos. Nós cometemos erros, faz parte. Mas quanto mais nós soubermos nos despojar de excesso de intelectualidade, excesso de expectativas, e o terrível perigo da ilusão, mais vai se estabelecer essa virtude aberta, humilde, simples, da mente de principiante. O caminho do Zen não é um caminho para todos. É um caminho apenas para alguns. E esse caminho, ele se revela em sua verdadeira natureza como experiência de sabedoria quanto mais nós aprendermos a deixar ir. A nos libertar dos sentimentos de culpa, de medo. Nos libertar dos conceitos e definições.

E lembrem-se que a experiência contemplativa, ela não é verbal. Ainda que o ensino do Dharma de Buddha seja extremamente útil, ele sempre vai ser um dedo apontando para a lua. A experiência de ver a lua é sempre nossa. Quando vocês praticam, apesar das dores, da distração e das suas próprias naturezas, de vez em quando, se lembrem da mente de principiante. Deixem ir. Deixar ir não é arranjar desculpa, prestem bem atenção, no que é a atitude do principiante. Deixar ir não significa você dizer “Ah, é só isso mesmo. Deixa pra lá!”. A mente de principiante é uma mente que está aberta à experiência. Como disse no início, nem todas as pessoas iniciantes tem a mente de principiante. Algumas sim.

Mas o fato é: a mente de principiante, ela amadurece com o tempo. E ninguém precisa trazer essa mente desde o início. É a verdadeira lição do Zen. É de que apesar de nossos erros, de nossas falhas, de nossas arrogâncias e intelectualidades, nós sempre temos a possibilidade de superar os aspectos não saudáveis de nossas expectativas e abrir o nosso coração e a nossa mente para que a experiência seja como ela é. E tirar lições disso. A mente de principiante é uma mente simples e aberta, mas ainda é uma mente profundamente afinada com a liberdade.

Portanto, quando vocês estiverem praticando em suas casas, ou aqui, nunca se esqueçam da mente de principiante. E sorria um pouco. Daqueles pensamentos doidos. Sorria para a dor do corpo. Sorria para pensamentos intelectuais, aquela página do livro tal. Sorria e não dê importância. As coisas que realmente merecem importância são outras. E essas precisam ser vividas aos poucos, com esforço e cuidado. Assim é que caminhamos bem no Zen.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Niterói em 31 de março de 2023.