Temos um símbolo que é constantemente usado no Zen, que é o Enso, um círculo traçado em um único movimento. Este símbolo representa Shunya, o vazio. O Enso além de representar o vazio é usado também para expressar uma intensa realização num determinado momento. Você deve pegar o pincel e em um movimento único traçar um círculo perfeito. Em algumas representações este círculo não está completo, ou seja, ainda está aberto, mas aberto à que? Aberto à tudo. Bankei, um grande calígrafo, usando da liberdade artística, costumava fazer o círculo em dois movimentos, fechando desta forma, completamente o circulo. Este símbolo é muito usado para representar a perfeição, força, realização, iluminação e a elegância. Em um único movimento ele abrange o todo e ao mesmo tempo nos faz compreender que o todo é vazio em si mesmo, mas nesse todo tudo pode se manifestar.
Mas por que o tema de nossa conversa hoje é imperfeição? Porque realizamos coisas na nossa vida que para serem belas não podem ser absolutamente exatas e perfeitas. Buscamos o tempo todo a perfeição. Alguns de vocês talvez já tenham ouvido uma música tocada por um computador. Uma partitura, que é um processo matemático, é inserida no banco de dados de um computador. A partitura tem acordes com proporções matemáticas exatas e ao ser perfeitamente executada pelo computador, sem qualquer tipo de erro, ela perde seu espírito e fica uma totalmente sem graça. Algo tocado mecanicamente sem sentimento e interpretação. Perdeu sua beleza. A verdadeira música não é exata, ela possui pequenas nuances que fazem parte da interpretação de um grande musico.
Outro exemplo bem interessante sobre a imperfeição pode ser encontrado nas historias Zen. Um mestre chamou seu discípulo e lhe pediu que varresse o jardim. Obedecendo a seu mestre o discípulo deixou o jardim imaculadamente limpo e nem um pequeno ramo sequer podia ser encontrado. Ao ver o jardim daquela maneira o mestre disse, “que feio, nunca vi um jardim tão mal varrido”. Olhando o jardim por alguns instantes o discípulo entendeu a que o mestre se referia e dirigindo-se à uma árvore balançou seus galhos para que algumas folhas caíssem. Ao olhar novamente para o jardim o mestre exclamou, “Isso que é um jardim bem varrido!”. Sob o ponto de vista artístico isso é extremamente importante. A arte tem esse aspecto de imperfeição justamente porque é feita por um ser humano e não por uma máquina. Uma vez na sangha foram feitas umas camisetas com um círculo perfeito, ao ver a camiseta minha primeira impressão foi de que não tinha nada a ver com o Zen. Nossas vidas também são como o Enso e não podem ser absolutamente perfeitas. Devem haver pequenos enganos, hesitações, adiamentos, e quando apresentam esses aspectos tornam-se vidas verdadeiras e não vidas mecânicas. Nossas vidas são para serem vividas como obras de arte e não como o tic-tac de um relógio.