Enxergar a Verdadeira Natureza | Monge Genshô

Enxergar a Verdadeira Natureza | Monge Genshô

Pergunta: Quando o senhor e outros mestres dizem que o objetivo do zazen é enxergar a verdadeira natureza, este enxergar tem algo a ver com o sentido da visão?

Monge Genshō: não. É compreender sua verdadeira natureza, entender qual é sua verdadeira natureza, não é no sentido de ver.

Pergunta: No sentido de um insight?

Monge Genshō: Talvez usemos o verbo “ver” porque em japonês a palavra “ken” significa ver, enxergar, e “shō” significa a verdadeira natureza. É que a nossa verdadeira natureza não é a que nós percebemos ou o que nós percebemos de nós mesmos. A nossa identidade é uma montagem ilusória. Nós não somos quem nós percebemos.

Nós nos percebemos como um ser que está olhando, está ouvindo, que tem um corpo, mas isto é só um evento natural em um animal que tem consciência. Nós nos identificamos com um “eu”, mas este “eu” é uma ilusão montada pelas nossas percepções. Justamente por nós percebermos coisas, nós interpretamos, em um conceito de uma identidade que chamamos de “eu”.

Pergunta: O senhor não tem eus?

Monge Genshō: tenho. Estou falando aqui com vocês com um eu. Por quê? Porque eu preciso do eu para transitar no mundo, preciso de uma identidade. Se eu não tivesse noção de uma identidade, como é que eu poderia interagir com as outras pessoas que têm noções de suas identidades? A diferença é que a identidade é um mero sonho, é uma construção das nossas percepções como ser humano, não é nossa verdadeira natureza.

Essa identidade é muito frágil – ela pode desaparecer com uma doença, e pode ser perturbada por inúmeros acontecimentos. Essa identidade não tem como sobreviver para sempre. É uma identidade temporária, é como se você tivesse um passaporte temporário de presença no mundo e você não pode se confundir com a sua identidade temporária, porque você não é sua identidade temporária. Sua verdadeira natureza é outra coisa.

Por isso, quando alguém desperta e vê sua verdadeira natureza, a sensação é de grande felicidade, grande contentamento, de que tudo está certo, perfeito e maravilhoso. É uma sensação magnífica.
Essa percepção é muito feliz e está além de nascimento e morte, além também da identidade e da forma.

A identidade pessoal é uma fantasia que nós usamos para transitar no mundo, assim como a minha fantasia de monge. Eu, na verdade, aqui embaixo da roupa, sou um homem nu e velho, é isso que eu sou, sou um velho de 70 anos.

Visto roupas de monge, coloco os símbolos de monge e isso tem uma eficácia simbólica. Essa eficácia simbólica é altamente funcional, é por causa dela que estamos aqui agora e vocês estão me ouvindo atentamente. Isso é possível porque existe uma eficácia simbólica do papel de monge. Mas é uma fantasia. Eu volto para o hotel, tiro a roupa de monge e penduro no cabide, o que é que sobra? Um homem que vai para debaixo do chuveiro, vai tomar banho como qualquer outro, etc. É só isso.

Eu não posso olhar para o cabide e dizer: “ali estou eu”. Porque também não estou em nenhum dos lugares. Eu mesmo não sou nada daquilo, o corpo é um corpo de primata com poucos pelos. É o macaco nu de Desmond Morris, o antropólogo.

E então este ser, animal, é só um evento da natureza. O uso dos símbolos, como as roupas, são artifícios que o budismo usa porque eles são eficazes. Então quando você olha o budismo e diz assim: “ah, não é uma religião” e a gente responde assim: “talvez não, mas ele usa todos os artifícios de uma religião, as roupas, a hierarquia, o monasticismo, o monastério, etc.”. O budismo usa um monte de símbolos e rituais que caracterizam uma religião, com exceção da crença, que está praticamente ausente no budismo.