Como superar o Carma do Brasil | Monge Genshô

Como superar o Carma do Brasil | Monge Genshô

Pergunta: Na palestra anterior o senhor tinha falado sobre o carma ser consequente, ele é sempre consequente, então nesse caso que o senhor está falando do Brasil, na verdade, a gente está falando de fundamentalismo que é o que causa todas as desgraças que a gente está vivendo. Isso vem desde sempre. Como é que a gente vence esse carma?

Monge Genshô: A pergunta é boa: como vencemos este carma? Se afinal de contas, desde sempre as pessoas se apaixonaram. Se a história da humanidade é uma história de guerras, de tribos lutando umas contra as outras pelo seu nome, porque essa é a minha tribo; ou esse é o meu Deus, e o Deus do outro é pior, então o meu Deus tem que vencer o seu Deus, etc. A pergunta tem todo o sentido: como vencer isso? Ora, com lucidez, enxergando o que é ilusão, enxergando o que é completa ilusão.

Por exemplo, enquanto a Europa esteve dividida em multiplicidade de tribos, iberos, celtiberos, ilírios, godos, visigodos, suevos, helvécios, etc., todos lutando uns contra os outros e saqueando uns aos outros, essas tribos enriqueciam e perdiam suas riquezas com grande facilidade. Então estavam sempre pobres, tudo sempre era destruído ou queimado. Mas quando a Europa conseguiu se ver, e é bem recente isso, como um agrupamento de países que poderia enriquecer comerciando uns aos outros, sem fazer guerra, ela passou a prosperar. A última guerra tem só 70 e poucos anos, de 1939 a 1945. Quando a Europa passou a se unir, deixou de gastar tanto dinheiro com armas para guerrear uns com os outros. Isso não foi infinitamente melhor? Porque é ilusão declarar “minha bandeira”, e quando essas bandeiras foram abandonadas, então a vida melhorou.

Nós estamos comemorando o mais longo período dos últimos dois mil anos de paz dentro da Europa. Com tudo de ruim que acontece no mundo, este é o período que menos gente morre em guerra no mundo, e esse é o período que menos gente é assassinada no mundo. Nós, aqui no Brasil, não conseguimos enxergar bem as coisas porque representamos 10% dos assassinatos no mundo, mas ignoremos isso, olhemos o mundo inteiro em seu conjunto: nunca houve um período tão pacífico ou com tanto alimento para todas as pessoas, nunca houve. Esse é um período extraordinário, e por quê? Porque diminuíram as bandeiras. Então nós devemos desconfiar todas as vezes que alguém levanta uma bandeira, seja ela “meu partido”, “minha ideologia”, “minha certeza”, nós não devemos ser certos, nós devemos ver que as coisas não são certas ou erradas, todas são mais ou menos e que vale a pena não entrarmos em conflito, porque o conflito é destruidor.

Por isso, nós dizemos que a sangha, a comunidade budista, é o lugar de harmonia, porque o valor mais alto dentro da sangha é a harmonia. Não lute contra os outros, não defenda ideias, ou opiniões, não defenda. Dentro da sangha, ouça e cale-se, é melhor. Se você fizer isso, haverá paz. Com paz e colaboração ficamos todos melhores.

Os extremos que temos no país são deletérios porque levam a luta entre grupos, poderes, ideologias e diminuem nossa capacidade de trabalho, de produção, de diminuição da fome. Quando pessoas pensam só em si mesmas e roubam, na realidade eles são assassinos, porque se roubam dinheiro do Estado, falta dinheiro nos hospitais, falta dinheiro nas escolas e morrem pessoas por causa disso. Eles não são meros ladrões, são assassinos. Infelizmente, isso se generalizou no país. Há uma verdadeira cultura, e está no momento de mudar a cultura. Quando nós olhamos essa situação atual, ela parece muito ruim, mas na realidade ela é boa, porque depois dessas convulsões, tende a haver um novo pacto social, um novo acordo sobre o que é certo e o que é errado, sobre o que se pode e o que não se pode fazer. Neste momento, nós só vemos o conflito, mas este conflito pode levar a coisas boas no futuro, desde que nós saibamos caminhar nesse sentido. Como o Brasil é um país que não tem nem histórias de grandes conflitos, ele tende a um acordo, esse sempre foi um país que tendeu ao acordo.

Essas considerações são sobre o valor da harmonia, e o valor da harmonia é um valor budista. O valor da harmonia tem que ser levado mais alto do que nós: os que são budistas devem se esforçar para levar harmonia na sua família, nos seus relacionamentos, em tudo, não defender posições extremas, porque as posições extremas causam conflitos. É o valor da harmonia que é o mais alto.