As três marcas da existência e a prática - Parte 2 | Monge Kōmyō

As três marcas da existência e a prática - Parte 2 | Monge Kōmyō

[CONTINUAÇÃO]

Eu sempre procuro dizer aqui, que muitas pessoas procuram a prática Zen porque elas querem ficar mais tranquilas, mais equilibradas. Eu sempre procuro explicar, e eu vou continuar repetindo isso sempre, como eu sempre faço, para que nós consigamos atingir esse equilíbrio, essa tranquilidade, primeiro nós precisamos compreender realmente quem nós somos. Precisamos encarar realmente o que nós sentimos, de onde vem isso, quais são as raízes, os fundamentos de nossa natureza. O Caminho Zen, por tanto, é um caminho de autodescoberta. Um caminho de auto superação. Antes de conseguirmos atingir o equilíbrio, nós precisamos primeiro compreender a nossa verdadeira natureza. E aprender a tornar as nossas mentes mais claras, menos presas a conceitos, preconceitos, menos subordinadas aos altos e baixos, dos caprichos do nosso eu.

A prática Zen é uma prática que exige paciência, e muito tempo. A paciência é porque as coisas não vão mudar da noite para o dia. Não é porque vocês sentam e ficam quietos, que automaticamente vocês estão praticando a contemplação. O sentar e ficar quieto é um primeiro processo de um trabalho difícil de auto compreensão. Nós sentamos, virados para a parede, e começamos a nos distrair, os pensamentos surgem, um atrás do outro, não conseguimos nos concentrar direito, isso acontece com todos. Aconteceu comigo quando eu comecei a prática. A compreensão última da experiência contemplativa exige uma determinação pessoal muito grande. É por isso que a escola Zen Budista tem muito poucos praticantes, porque nós não enganamos vocês. Eu não estou aqui para mentir para ninguém. Eu não vou dizer para vocês que se vocês praticarem zazen por três meses vocês vão se tornar absolutamente equilibrados, isso não vai acontecer. A prática é um esforço que dura a vida inteira. A cada momento nós aprendemos a nos aprimorar, a melhorar um pouco como seres humanos, a desenvolver mais compaixão, mais fraternidade, mais amorosidade. A prática é um contínuo processo de descoberta interior.

Eu peço desculpas, mas essa é a prática Zen. Ela não é uma pílula, não é um mapa, não é uma solução imediata para problemas pessoais. A prática Zen é um processo de auto compreensão para o desenvolvimento de uma mente cada vez mais clara, cada vez mais sábia e amadurecida. Isso só acontece com o esforço de vocês. Isso só acontece se vocês quiserem. Nenhum de vocês está aqui obrigado. E a prática não pode ser uma prática que vocês fazem por obrigação. Vocês vão precisar compreender o valor. E apenas quando vocês compreendem o valor dessa prática, é que vocês vão poder vivenciar, não apenas intelectualmente, e experimentar, através de uma prática contemplativa, a natureza do vazio e a natureza da impermanência.

A compreensão do vazio e da impermanência é de fato uma liberdade de nossa mente. É a superação de aspectos ilusórios do nosso eu, que imagina que pode controlar a vida, que imagina que a vida pode ser o que nós esperamos que a vida seja. A prática Zen procura mostrar que a vida é o que ela é, nem mais, nem menos. E por ser a vida o que ela é, a vida é, apesar dos obstáculos, das tristezas e das dificuldades, a vida é extremamente maravilhosa, é uma dádiva, é um bem que vale a pena ser usufruído em plena consciência. Todo o esforço no Zen Budismo é um esforço pessoal.

Quanto mais vocês conseguirem compreender melhor quem vocês são, mais vocês vão descobrir quem realmente vocês são. E vão aprender a superar os aspectos não saudáveis, transformar e curar a sua mente. O Caminho de Buddha é o caminho da nossa prática. O Zen é uma tradição que procura praticar como Śākyamuni Buddha praticava. E ele era um ser humano, que como todos nós, passou por desafios, desenvolveu aprendizagem, até conseguir encontrar uma experiência de consciência tão profunda, que ele se tornou o Buddha. Aquele que é esclarecido. Aquele que tem a mente plenamente clara. O que ele ensinou é que isso é possível para cada indivíduo. Todos nós temos o potencial de Buddha. Mas antes, antes, nós precisamos aprender a reconhecer nossa verdadeira natureza. Esse é o primeiro caminho.


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Niterói em 20 de janeiro de 2023.