As três marcas da existência e a prática - Parte 1 | Monge Kōmyō

As três marcas da existência e a prática - Parte 1 | Monge Kōmyō

Na palestra passada, eu iniciei ensinamentos sobre conceitos essenciais do Zen Budismo. Eu falei sobre o trinômio de conceitos extremamente importantes na tradição Zen Budista: o Vazio, a impermanência e o não-eu. Eu argumentei que a definição budista – Zen Budista –, a definição do Śākyamuni Buddha sobre o fenômeno do Vazio é muito simples.

O Vazio, no Zen Budismo, não significa a ausência de alguma coisa. O Vazio define a condição intrínseca de cada fenômeno, seja um objeto, um corpo, outros seres, rochas, o planeta, estrelas, galáxias. O Vazio, segundo Buddha, representa o fato de que todas as coisas estão interdependentes. Significa que uma coisa só pode existir se outras coisas existiram antes, para formar aquela coisa. Porque um sino de metal é feito de átomos e moléculas que, durante milhões de anos atrás, pertenceram a outras coisas. Para criar esse sino, não foram criados do nada o metal, os átomos que compõem esse sino. Esse sino existe porque outras coisas existiram antes.

Esse é um grande ensinamento do Buddha: a existência interdependente. Nada existe se não houver causas e condições anteriores para permitir que aquilo exista. E porque essa coisa, esse sino, é feito de coisas não sino, o sino é vazio. O sino só existe porque outras coisas existem. E essas outras coisas só existem porque coisas anteriores existiram. E aí vem a definição do Vazio: śūnyatā, tudo existe porque é composto de outras coisas. E as outras coisas existem porque elas se compõem de outras coisas. Se nós olharmos todos os fenômenos, eles são intrinsecamente vazios de uma realidade própria. Todos os fenômenos, eles existem em função de outras coisas. Isso vale para objetos, corpos, pensamentos, sensações, sentimentos. A natureza da existência é vazia. E aí vem o grande axioma, o grande ensinamento de Buddha, o grande sistema de pensamento do Buddha, como apresentado no chamado Sutra de Diamante.

Ele apresenta um objeto, no caso, uma flor, e diz: essa flor não é uma flor. E porque ela não é uma flor, ela é uma flor. Esse sino, não é um sino, e porque ele não é um sino, ele é um sino. Esse sino é feito de coisas que não são sino, e porque ele é feito de coisas que não são sino, aqui e agora, nesse momento do tempo, ele se torna um sino. Daqui a mil, dez mil, cem mil, um milhão de anos, os elementos que compõem esse sino irão compor outras coisas. Aí vem o segundo grande elemento, conceito, do Zen: a impermanência. As coisas são vazias porque a existência se caracteriza pela impermanência. Nada permanece. Tudo passa. Nada fica. A impermanência é o que vai justificar a existência interdependente. Os nossos corpos existem porque outros corpos deixaram de ser há muito tempo atrás. Animais, minerais, vegetais. Em algum momento, as moléculas que compõem nosso corpo compunham outras coisas. E essas coisas passaram. Elas não existem mais. E agora, nosso corpo existe. Mas ele também vai passar.

A prática Zen é uma prática que visa levar as pessoas a uma compreensão de que a vida é um constante fluxo. E que aquelas coisas que nos preocupam tanto, aquelas pessoas que nos incomodam, ou nos ofendem, ou nos magoam, aquelas sensações e sentimentos que nos deixam muito mal, eles são, por essência e natureza, transitórios. Em última palavra, a prática Zen Budista é uma prática que tem como objetivo levar as pessoas a uma compreensão profunda de que o que elas pensam que seja a vida é apenas e simplesmente uma opinião. A vida é muito mais do que isso.

A prática também procura mostrar às pessoas que as nossas concepções são impermanentes. O Buddha ensinou que a mente, ela é insatisfeita. A nossa mente é insatisfeita. Nós estamos nos frustrando, as nossas expectativas não são correspondidas, as situações mudam, em um momento nós estamos alegres, em outro estamos cheios de raiva, em um momento nós nos sentimos com muito amor, no outro momento nós estamos perdidos em vaidade. A fonte do nosso sofrimento é a insatisfação de nossa mente. A prática Zen Budista é um trabalho intenso de compreensão de que nós não temos controle. Não somos nós quem definimos a vida. A vida é o que ela é.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Kōmyō Sensei no Daissen Niterói em 20 de janeiro de 2023.