Ainda não acabou?

Ainda não acabou?

Pergunta – Quando não observamos mais o início e o fim do ciclo, significa que não estamos mais gerando carma?
Monge Genshô – Não. Enquanto você estiver agindo no mundo vai gerar carma. Suas ações intencionais irão gerar carma.
Pergunta – Nesse caso ainda existe um “eu’.
Monge Genshô – Enquanto você vive no mundo precisa de um “eu”. Eu preciso do “eu” para conversar com vocês e operar no mundo. Porém ele tem a solidez de uma máscara, que usamos pra agir no mundo. O problema é a pessoa identificar-se com a máscara. Quando perguntado sobre quem nós somos, damos as respostas que correspondem com as nossas características e que correspondem na verdade com características da máscara. Nos confundimos com o rosto no espelho, com as roupas, hábitos e identidades sociais de médico, engenheiros etc. Conforme a pessoa vai pendurando coisas no cabide da máscara, vai acreditando ser realmente aquele ser. Mas não é, isso que ela pensa ser é tão sólido quanto uma máscara.
A pessoa que tem alzheimer, por exemplo, com o tempo se olha no espelho e não mais se identifica. Mas onde está o “eu” então? O “eu” vai se dissolvendo quando as características e memórias que você identifica como sendo o “eu” começam a ficar enfraquecidas quando não lembradas. O monge deve ter sempre a morte frente à seus olhos e isso acontece também no catolicismo. Estive uma vez num mosteiro beneditino e na capela andávamos em um corredor sobre as lápides dos monges que já haviam morrido. Temos que nos olhar no espelho e apreciar o trabalho da morte em nossa face, o envelhecimento. Isso dá muito sentido à vida, embora algumas pessoas possam pensar que isso seja horrível.
Se é assim, cada dia é precioso e como você irá viver esse dia de hoje? Se por acaso você descobrisse que teria apenas noventa dias de vida, como viveria o dia de hoje? Isso daria sentido à sua vida. O que é importante? Alguém chega até você querendo discutir sobre cinquenta centímetros de terreno que ele julga ser dele, o que você faz? Pode ficar, você pensa, estou morrendo em noventa dias. É comum em algumas iniciações a pessoa escrever seu testamento. Agora, neste momento, o que você vai deixar? Isso é muito importante, saber como viver tem a ver com olhar a finitude. Você poderá rir, pois as coisas que parecem importantes para os outros, para você não é mais. Tive um amigo que foi um dos meus primeiros professores budistas que teve um infarto e sabia que em breve morreria. O que ele fez? Começou a escrever poemas e dava para as pessoas que encontrava na rua. Ele estava se despedindo.
Certo dia estávamos conversando sobre logo depois do infarto e ele disse que quando acordou no hospital pensou: “Ué, ainda não acabou?!”, perguntei então sobre como ele se sentia e ele disse: “Sem nenhuma ilusão”. Isso é maravilhoso. Os mestres sempre dizem, “aproveitem suas vidas”.