A prática no Zen | Monge Kōmyō

A prática no Zen | Monge Kōmyō

Uma parte fundamental do ensino Zen é o conceito de prática. Não apenas na tradição Zen, mas o próprio Dharma de Buddha só pode estar vivo se ele for praticado. Os conceitos e os ensinamentos no Zen não servem de nada no intelecto. Nós podemos estudar e ler os sutras, ler livros, e o ensinamento aparece nas escolas tradicionais, nos livros dos grandes mestres. Mas reter isso na memória, ou usar isso apenas como parte de um conhecimento, não é suficiente na escola budista. Não existe Zen Budismo, o Dharma, se não houver a prática, a experiência.

E é por isso que as escolas budistas, apesar de uma superfície de lendas e superstições no extremo oriente, o ensino fundamental do Buddha não serve como conhecimento. Porque esse ensino procura direcionar o indivíduo a viver em si mesmo descobertas, transformações e curas. E isso por sua vez faz nascer em nosso coração e em nossa mente sabedoria. Viver a vida em sabedoria é o que vai trazer à nós equilíbrio, paz, fraternidade, compaixão e amorosidade. Mesmo que a vida seja difícil, mesmo que os nossos caminhos tenham obstáculos e problemas, quando nosso interior, nosso centro, é estabelecido no equilíbrio, nós teremos capacidade, força, coragem de lidar com nossos obstáculos.

A prática no Zen implica em treinamento. E treinamento é o que nós fazemos aqui. Mas esse treinamento não se limita ao zazen. O treinamento no Zen precisa se estabelecer em corpo, fala e pensamentos. E é por isso que nós do Zen sempre dizemos: pratiquem o zazen, mas pratiquem também no seu dia a dia, quando vocês estiverem caminhando nas calçadas, trabalhando nas suas profissões, lidando com a sua vida cotidiana na família, nos estudos, nas universidades. O que nós praticamos e treinamos no zazen pode ser treinado no nosso dia a dia. Respiração consciente, foco, respeito mútuo, paciência, auto-observação. Nós podemos fazer isso no nosso dia a dia. E nós devemos fazer isso no nosso dia a dia. Corpo, palavra, e pensamento.

A proposta de treinamento no Zen não é moralista. A moral nem sempre é sábia. A moral muitas vezes é fanática, é cega. O que o Zen propõe é um exercício constante de cuidado, auto-observação, e um desenvolvimento de uma ética de consciência. Bom senso, cuidado ao falar, atenção ao que é pensado e respeito ao corpo. Esse é um treinamento de uma vida inteira. É uma prática que se estabelece na vida inteira. A qualquer momento, não importa nossa idade. Sejamos pessoas de 20 anos, sejamos pessoas de 70 anos. Como diz o próprio Buddha, sempre nós podemos começar novamente.

O treinamento Zen não implica em atitudes robóticas, reprimidas, duras na vida. Muito ao contrário, o treinamento depende de fluidez, sensibilidade e criatividade. Quando vocês estiverem vivendo as suas vidas, lidando com as pessoas, entrando em contato com conhecidos em redes sociais, recebendo informações, a prática é: observar, ponderar, questionar e desenvolver paciência de observação.

A prática é não se perder em impulsos, a prática é não seguir um caminho apenas por vício de hábito. O que o Buddha procura ensinar sempre é que o fundamento da sabedoria, da clareza de percepção, depende totalmente de nossa capacidade de compreender melhor as coisas à nossa volta, e, compreender com o máximo de clareza as nossas reações, opiniões, e impulsos, em relação às coisas à nossa volta. O que vocês falam? Como vocês se expressam? O que vai em seus pensamentos? Até onde vai a sua capacidade de compreender melhor o outro, de ter a paciência de esperar e conhecer melhor a situação, antes de reagir impulsivamente?

O treinamento da mente no Zen é um treinamento que procura levar as pessoas a uma compreensão melhor de si mesmo em relação a vida. E não reagir de maneira ignorante e impulsiva em qualquer situação. A imobilidade, o silêncio, o esforço em corpo-e-mente que nós realizamos no zazen é apenas uma parte do treinamento. Como eu sempre procuro ensinar, no momento em que nós sairmos do zendō, e voltarmos para nossa vida, o que nós vamos fazer? Vamos esquecer o que fizemos aqui e voltar a uma vida de distração, impulsos e desequilíbrio? Ou vamos tentar carregar conosco no nosso dia a dia esse esforço, esse foco, a capacidade de observar, a paciência para esperar?

Você, todos vocês, possuem personalidades distintas, e todos vocês têm modos distintos de compreender o que eu estou procurando ensinar, mas há uma coisa que todos vocês, a despeito do lastro de suas personalidades, todos vocês podem fazer, e é o que nós fazemos aqui no Zen: ter disposição para se observar melhor. Encontrar em si mesmos o foco, a atenção à respiração, paciência. Mais uma vez eu digo: Se não houver isso, a prática que vocês fazem aqui não vale nada. Porque o Zen não é para que vocês fiquem tranquilos, o Zen é para que vocês se tornem pessoas esclarecidas. O Zen é para que vocês acordem para vocês mesmos, compreendam quem vocês realmente são, e não o que vocês acham que vocês sejam.

A vida é muito mais do que nós imaginamos. A vida é muito mais do que nossa opinião, nossos conceitos e preconceitos, a vida é muito mais do que o nosso puro conhecimento. A vida é maravilhosa, a despeito dos problemas, a despeito das perdas e dificuldades. Para compreender isso, para viver isso, nós precisamos manter sempre a determinação de uma constante busca interior. Esse é o caminho. Esse é o caminho do Zen.
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Palestra proferida por Kōmyō Sensei na sangha do Rio de Janeiro em abril de 2023.