A desconstrução do Eu | Monge Genshô

A desconstrução do Eu | Monge Genshô

Depois da oração, desmanchamos o gasshô, os que têm rakusu ou manto o colocam, e iniciamos imediatamente a prática do zazen. 

Vez por outra, há relatos da sensação de que nossa personalidade é construída e de que a pessoa se sente não real, como se estivesse representando um papel e que estivesse vivendo uma realidade falsa. Às vezes, isso é entendido como um problema psicológico por terapeutas, um problema de despersonalização. Mas o zen tem uma abordagem completamente diversa ao entender que toda personalidade e todo eu, na realidade, são construídos; que, sim, na verdade, assumimos e construímos um papel da nossa identidade baseado nos nossos impulsos, nas nossas características pessoais chamadas, no budismo, de marcas kármicas. A partir deste material, construímos uma identidade ou personalidade nesta vida. Se conseguirmos perceber que isso foi uma construção necessária – mais uma construção, entre várias outras –, perceberemos que ela é mutável, que não é permanente nem sólida. Mas atrás de toda mente comum, de todo pensamento, de toda consciência, de toda personalidade, além de tudo isso, existe o que Keizan chamou de “um resplendor imutável”. Não se trata de nenhuma personalidade, de nenhum ser em si, mas de exatamente de um absoluto que tudo abarca, de um vazio de todo eu, mas que está sendo referido por Keizan como resplendor.

Isto é o que nós realmente somos. Temos grande dificuldade de localizá-lo, assim como o peixe que, nadando no mar, pergunta: onde está esse oceano de que todos falam? Estamos tão mergulhados nele que não conseguimos percebê-lo. Nadamos como um peixe, mas não podemos dizer que aprendemos a nadar e agora podemos parar, porque se pararmos não seremos mais um peixe.

É a mesma coisa que acontece com nossa identidade e personalidade. Se pararmos, já não sabemos mais quem somos. Por esta razão, pode surgir um medo quando estamos praticando o zen, o medo de perder a nossa construção, na qual nos apoiamos. 

Por esta razão, existem ditos no zen sobre dar mais um passo na beira do abismo. Na verdade, são palavras que indicam a possibilidade de nos libertarmos das fantasias e, enfim, compreender o papel que representamos, como o de atores de uma peça escolar. E, enfim, compreendendo a fantasia, ser capaz de incorporar, ver, sentir, perceber o resplendor imutável e, assim, libertar-se de todo ir e vir, de nascimento e morte.

Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, agosto/2021.