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Um dos aspectos muito interessante, e, quando eu tive esse insight, eu achei muito bonito, é compreender que na experiência contemplativa nós aprendemos a valorizar tudo. Jamais imaginar que a própria experiência contemplativa precisa se encaixar nas nossas expectativas. Essa foi uma descoberta muito profunda, quando eu era muito jovem na prática. Porque a ideia que nós temos é de que todas as experiências pelas quais nós passamos precisam ser experiências de certa qualidade e de certa condição para que nós possamos valorizá-las. Nós temos isso muito arraigado em nossa mente. Essa é uma característica do egoísmo, é uma característica do Eu. Eu só valorizo aquilo que me agrada. Então, se nós sentamos em zazen, e buzina, e carro, e gente falando, e buzina, e carro, a gente rejeita isso. Isso não é contemplação. Isso não é experiência, isso não faz parte do que eu considero que seja o zazen. Grande engano! Um dos fundamentos da prática Zen é aprender a reconhecer e valorizar a vida como ela é. E aquela bagunça lá fora, e, daqui a pouco, todos nós vamos para lá – aquilo é a vida. A gente não precisa querer isso para nós. Se vocês gostam e querem ter uma vida silenciosa, uma casa sem barulhos, etc, que não tenha confusão de buzina, isso é ótimo. É muito bom. E eu não estou dizendo isso para fazer com que vocês entendam que no Zen nós temos que ser caóticos. O que o Zen procura ensinar é que o caos não vai embora, não será transformado, enquanto nós não compreendermos profundamente a nossa relação com esse caos.
A prática Zen, portanto, é um conjunto de experiências que engrandece a nossa capacidade de perceber a vida com cada vez mais respeito, atenção e compaixão. A gente não precisa xingar a pessoa que passa de carro buzinando. Nós precisamos tentar compreender e observar que ela pode estar atrasada para alguma coisa, pode estar tendo um dia dificil, está nervosa, está cheia de raiva, e sentir a empatia. E aceitar o barulho. Porque o barulho, assim como nosso silêncio, ele sempre vai passar. Ele nunca fica. Silêncio é construído a cada momento. O silêncio de dois segundos atrás já não existe mais. Então, se um dia vocês puderem praticar em um lugar bonito, ao som de um riacho, com pássaros cantando: aproveitem! Mas aqueles pássaros cantando, aquele riacho, ainda que sejam sons agradáveis, eles continuam sendo sons, continuam sendo parte da vida, assim como a buzina, as pessoas falando lá fora, o motor do carro. “Ah, então eu não devo ter um critério de agradabilidade ou beleza” – Não, você tem, isso não é problema. O que eu estou procurando ensinar é que os fenômenos são o que eles são, não o que nossas expectativas querem que eles sejam.
A prática zazen é para ser feita sobre quaisquer circunstâncias. Porque, na nossa vida, vai chegar o momento em que nós vamos estar extremamente aborrecidos ou extremamente preocupados. Uma pessoa que nós amamos está no hospital doente e, nessa hora, esse “ruído” não pode nos impedir de sentar, respirar e buscar o equilíbrio. Até para poder viver aquela situação de maneira mais saudável. Então, ao compreender, ao observar e descobrir em nós mesmos meios de lidar tanto com o caos quanto com o silêncio é a forma como nós podemos encaixar a nossa existência em um grau de aprendizagem, amadurecimento e desenvolvimento de nossa consciência. Consciência, sabedoria, não caem de paraquedas. Consciência, sabedoria, experiência de percepção: vocês não vão obter de mim, nem do próprio Buddha. Isso surge através da experiência, das descobertas e da profundidade de observação de vocês. A auto-observação e a observação das coisas.
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Teishō proferido por Kōmyō Sensei no dia 28 de janeiro de 2023 na sangha do Rio de Janeiro.