Vivendo uma época obscura | Monge Genshô

Vivendo uma época obscura | Monge Genshô

Estamos vivendo, neste momento, uma época especialmente obscura, na história da humanidade, em que parece que regredimos a séculos anteriores, regredimos em muitas décadas, e as agressões e conquistas entraram em evidência novamente. A ignorância, nesses momentos, tende a crescer. Há poucos dias, uma universidade americana propôs que se retirasse do currículo o grande autor, Dostoievski, por que ele era russo e a Rússia estava agredindo e invadindo o segundo maior país da Europa, em território, a Ucrânia.

O que cabe aqui e agora, para mim, como professor do Zen, é ressaltar o fato de que o povo russo tem muitos pacifistas e que mais de cinco mil pessoas já foram presas por protestar contra as ambições imperialistas do seu governante, neste momento. E que a nação russa produziu grandes compositores, grandes escritores, poetas, e que a cultura russa tem relevância, para todos nós; Dostoievski, no nosso exemplo, autor dos Irmãos Karamazov, autor de Crime e Castigo, de Recordações das Casas do Mortos, foi relevante na história da humanidade, na história da nossa cultura, da cultura que o mundo todo partilha, qualquer proposta desse tipo não passa de obscurantismo. Nós não podemos confundir povos, nem países, com governantes enlouquecidos, tomados pela ganância e pela ambição de poder.

Buda ensinou que são o apego, a aversão e a raiva os principais venenos da mente, todos eles nos obscurecem. O apego, por nos agarrarmos a coisas, pessoas, ideias, perdendo a lucidez. A aversão, por nos cegar também. A raiva, por expulsar qualquer pensamento racional da mente. Nós sentamos em zazen para ganharmos lucidez e a nossa lucidez deve nos fazer ver que o mundo é complexo, e que a aversão é pura cegueira e ignorância.

Não podemos tomar um povo e uma nação como se fossem representantes de um governante enlouquecido, cego para o sofrimento, capaz de causar o mal com os seus atos ambiciosos. O mundo inteiro é nossa casa, todas culturas são nossa cultura, todos os homens são nossos irmãos, e aquele que estiver enlouquecido deveria ter o seu poder retirado. 

Esse é um momento em que a coragem torna-se relevante, a coragem de  renunciar a apoiar qualquer ideia obscura e ignorante, e compreender a complexidade do mundo, e não cair em simplificações grosseiras. Que nossa prática de clareza e lucidez nos permita estender a compaixão a todos os seres, mesmo aos enlouquecidos, sabendo que seu karma será terrível e que durará muito tempo para que possam se libertar dos sofrimentos que seus atos causam. Devemos nos compadecer dos enlouquecidos e não perder nossa lucidez ao colocar todas as pessoas de uma nação no mesmo conceito, ao esquecer a contribuição, a cultura, os sentimentos de cada uma dessas pessoas que merecem a nossa solidariedade, quando os ignorantes misturam tudo e atribuem a um povo as ações de um louco. Que não percamos nossa lucidez, é o que peço, em primeiro lugar. 

Teishô matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, em Fevereiro de 2022.