Pergunta: Se o sujeito se libertou de todas as paixões e agora tem o desejo de fazer outras pessoas se libertarem também. Essa é uma paixão?
Monge Genshô: em sânscrito, estas palavras são diferentes. A palavra desejo, por exemplo, tem 20 palavras diferentes para isso. A paixão de defender sua própria opinião é um desejo chamado “ditti”, a sede de apego chama-se “tanha”. São palavras diferentes. Em português nós temos menos palavras para distinguir essas coisas. Este desejo de ajudar ao outro é karuna, é a compaixão. É na verdade uma virtude. A virtude do bodhisattva, o ser de compaixao: sattva é “ser”, bodhi é “mente compassiva”. E isso não é considerada uma paixão negativa. Exemplo: o amor não é considerado uma paixão negativa, mas o apego é. Porque o amor quer o bem do outro, e o apego quer possuir o outro… são coisas muito diferentes. Amor apegado é uma doença, ter ciúmes é um problema e gera muito sofrimento. Mas o desejo de ajudar ao outro não é sofrimento, pois gera felicidade, gera bom carma, gera retorno deste carma bom. Porque carma não é só carma negativo, carma é ação e suas consequências. Existem consequências boas de um bom ato, e consequências más de um mau ato. Então você tem que gerar bom carma, e evitar o mau carma. Primeira lição de Buda: pratique o bem, evite o mal, seja senhor de sua mente. Ser senhor de sua mente é o mais difícil. É o que estamos treinando no zazen, estamos treinando para ser senhores de nossa mente. Esta senhoria pode produzir um nível maior de felicidade, porque cada vez que você se vir com uma ambição desmedida, com raiva, com ciúme, com apego… e você está treinado a observar a sua mente, você vê “ah, é isso o que estou sentindo”. E se da conta de seu verdadeiro estado. Mas ninguém é senhor de sua mente de verdade. Para realmente ser senhor de sua mente, você precisa de um nível muito alto.
Eu diria até que a iluminação, nos níveis iniciais, não garante isso. Porque se você pega aquela escritura famosa dos 10 passos do boi e vê o quarto nível, já é iluminação, você já viu, olhou, já teve kenshô, já viu sua verdadeira natureza, sabe que seu ego é ilusão, você já teve uma visão disso, você até sabe, mas você continua fazendo tudo errado: chega em casa, e a família diz, “mas você não é budista?”. Como se houvesse garantia de que, sendo budista, você fosse um iluminado perfeito, que passou tudo para as suas ações. Primeiro que, chegar a este ponto, de ver com clareza, já é muito difícil. Mas quando alguém chega, o mestre diz a ele o quê? Bom, agora é o início do caminho. Agora que você começou. Porque tudo isso que você viu lucidamente, você tem que começar a transferir para as suas ações, para a sua maneira de viver. E isso é realmente o problema verdadeiro.