Se não houver ventos não há ondas no mar | Monge Genshō

Se não houver ventos não há ondas no mar | Monge Genshō

Genshō Rōshi: O despertar é um nível alto de percepção, de distanciamento das ilusões e de ver as coisas tal como são. Temos até uma palavra para isso, chama-se Talidade, as coisas tal como são. As coisas tais como são, são invisíveis para nós. Nós vemos uma aparência, mas não vemos tudo que está nela. Nós vemos um objeto qualquer, mas não vemos tudo que está por trás dele.
Eu tenho aqui um suporte de celular na mão, por exemplo, uma das coisas que está na minha mesa. Ele é de plástico, mas o que é plástico? São hidrocarbonetos que foram retirados da terra e estiveram enterrados milhões de anos atrás. Originalmente isso aqui foi gordura de animais mortos centenas de milhões de anos atrás. Então, aqui neste objeto tem sol, mar, vida, que já acabou. Tem calor, pressão, tem uma quantidade imensa de coisas que aconteceram antes para que ele estivesse aqui agora. Mas quando nós olhamos o objeto nós não vemos tudo isso, não é? Há muita coisa dentro dele, tem chuva, tem calor, umidade, formação de planetas, explosões de supernovas no passado, uma vida inteira do planeta para que estivesse aqui na minha frente e eu olhando. E sequer tenho a capacidade de perceber tudo que está aqui. Que é um universo inteiro de fenômenos e acontecimentos, para que estivesse aqui se tivesse uma visão desperta. Senão, vemos a aparência momentânea e não vemos o fundo das coisas e tudo que está vivendo através delas. Nem em nós mesmos. Se eu levanto a minha mão, aqui na minha pele tem o DNA de bilhões de anos de evolução e todos os meus antepassados, e seus sofrimentos, suas mortes, os seus amores, estão aqui, agora, dentro de mim e eu não vejo isso.
Se eu perceber tudo isso é como um conto de Jorge Luis Borges, muito interessante, chamado o Aleph. O Aleph é um ponto em que tudo isso aparece, e tudo é visível e concentrado, e ele o descreve magnificamente. Recomendo a todos que tiverem um pouco de interesse em literatura, vão achar esse conto no livro Ficções de Jorge Luís Borges, que é um desses escritores que deveriam ter recebido o Prêmio Nobel, mas não houve tempo para tanto, apesar da sua longa vida. E leiam a descrição do Aleph e poderão entender um pouco do que eu estou querendo dizer aqui, agora.

Monge Butsukei: Muito obrigado Sensei. O Alexandre pergunta: O Nirvana é diferente do despertar ou são a mesma coisa? Obrigado.

Genshō Rōshi: O Nirvana é um estado em que o fogo das paixões está extinto, é esse o significado da palavra Nirvana. Nir é uma partícula negativa e vana significa fogo extinto, ou como os tibetanos costumam dizer, ventos. Se não houver ventos não há ondas no mar. Assim, o Nirvana é a cessação de todas as agitações, a paz perfeita, quando todos esses fogos internos já estão extintos. Ele se opõe ao conceito de Samsara, que é o nosso eterno perambular procurando a felicidade em uma coisa depois da outra. A próxima refeição, um amor, uma casa, um carro, sucesso, um prestígio, qualquer coisa, isso é o mundo do Samsara, mundo do perambular sem estar jamais satisfeito. Nirvana é a paz que provém do abandono desta procura incessante.


Resposta proferida por Genshō Rōshi, nas lives do Sobre Budismo, em 2022.