Uma vez veio um homem aqui que queria assistir as palestras. Então ele dava um jeito de chegar depois do zazen. Ele veio duas vezes, chegou duas vezes e perguntou se podia ver a palestra. Eu disse que sim.
Na terceira vez eu disse “Não pode. Se você não vier sentar e praticar zazen não pode assistir à palestra”. Porque é só curiosidade. Só debate. Só “mas”, “eu acho que”, “eu penso que”, “eu não concordei com aquilo”. Porque não é essa a postura do aluno. A postura do aluno no zen é outra coisa muito diferente. A experiência mostra que se você sentar alguém lá por 40 minutos já é diferente. A aula já é diferente. A maneira e as perguntas que surgem são diferentes, tudo é diferente. Mas quem vem só por curiosidade…
Eu me lembro muito bem do meu primeiro professor. Eu conto esse episódio naquele livro O Pico da Montanha. Foi um episódio real. Eu estava numa aula de karatê em Porto Alegre e chegou um monge zen. Eu tinha vinte e poucos anos e pensei: “poxa, todo mundo vai querer ouvir esse monge Igarashi Roshi”. Fui até Igarashi Roshi e perguntei: “o senhor pode falar para os alunos?”, e ele disse: “posso”. Fui até uma sala de aula do karatê que tinha naquele momento e disse para os alunos: “tem um monge zen aqui e agora, e o zen é a base filosófica do karate do, o caminho das mãos vazias. Se vocês quiserem ouvir, passem para a sala ao lado”. Foram umas vinte pessoas. Sentaram-se em seiza (ajoelhadas) no chão. Igarashi Roshi olhou para todo mundo e disse: “por favor, virem-se para a parede”. Pegou o sino e anunciou 20 minutos. Ficou todo mundo lá ajoelhado por 20 minutos, exceto quatro que se levantaram e saíram. Aí bateu o sino, todo mundo se virou, olhou para o centro da sala e ele correu os olhos por todos. Virou-se para a parede de novo: “mais vinte minutos”. Todo mundo saiu. Sobraram eu, o Professor João Graff, que já morreu, que era faixa preta de karatê, e dois alunos daqueles vinte. Aí ele fez uma palestra. Uma bonita palestra com o português errado que ele tinha, mas ele se esforçava. E ele disse: “eu não vim aqui falar para os que têm curiosidade. Eu vim falar para quem estava disposto a sofrer para ouvir”.
Por isso que o zen é ensinado assim como ensinamos aqui. Se não estiver disposto a sofrer para ouvir, não tem jeito. Então, sobre levar tanto tempo: é tão difícil de encontrar, mas também é tão difícil de ensinar.
[Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei em Florianópolis, 23/08/2016]