O dedo do budismo aponta para a liberdade

O dedo do budismo aponta para a liberdade

Pergunta – Então porque a vida inventou o pensamento?
Monge Genshô – A vida não inventou o pensamento. O pensamento é só uma função da vida. Porque as plantas fazem fotossíntese? É uma função das plantas fazerem fotossíntese. Porque nós temos sentidos, os nossos sentidos nos dão informações, eu toco e percebo, esse contato produz uma sensação, essa sensação viaja pelos meus nervos até meu cérebro e assim eu tenho um percepção – Ah, o braço da cadeira – essa percepção junto com outras percepções faz as formações mentais, porque eu tenho percepções mentais eu crio uma consciência que diz – Eu sinto o braço da cadeira – preciso do eu para sentir o braço da cadeira, não é que o eu seja uma coisa inútil, eu preciso dele para viver. Senão nem posso falar, me movimentar, fazer as coisas. Só que confundo o eu com minha verdadeira natureza. Minha verdadeira natureza não é o eu. Minha verdadeira natureza é a unidade de toda a vida. A minha verdadeira natureza não é sensação, contato, percepção, sensação, formação mental, consciência. O eu é construído com esses sentidos, agora, se eu tirar isso, o que resta? É por isso que os homens inventaram as religiões, porque eles ficam apavorados com essa sensação, “meu eu irá desaparecer, eu sou o meu eu!” Quem eu sou se tirar o eu? Então surge a angustia da morte, porque todos percebem que os corpos se desfazem, a gente morre, e gente quer que o eu continue. Por isso criamos as historias de paraísos, reencarnações, almas eternas.
Nós queremos uma solução para todas as coisas da vida. Então as religiões mais bem sucedidas são as que apresentam uma solução mais bem acabada, mais fácil para a impermanência. Imaginem, a religião mais popular no nosso meio que é o cristianismo, ela nos trouxe um conceito explorado principalmente por Paulo, a idéia de um Deus que veio à terra, é um Salvador  que carrega os pecados do mundo. Isso resolve todo problema cármico porque eu não pago mais pelos meus pecados, há um salvador que paga para mim se eu fiz algo errado. Eu matei, mas me arrependo, vem um salvador paga pelos meus pecados e eu não preciso pagar as conseqüências, então eu retiro o carma pois há um salvador para pagar por mim. Então isso retirou dos homens a culpa, porque o pecado tem perdão, tem um salvador, tem um redentor. Vejam que isso é uma solução muito bem sucedida, pois você com isso, liberto de todas as conseqüências de todos os seus pecados vai para o paraíso para ser feliz para sempre, para toda a eternidade. Nunca mais nenhuma morte, para sempre, pela eternidade sem fim, sempre com um eu, minha alma pessoal junto da divindade. É a solução, tudo resolvido.
 Uma solução dessas torna-se muito popular, é muito mais bem sucedida que as religiões que a antecederam que não tinham soluções assim. Havia os Deuses do império romano ou dos gregos, que eram seres que maltratavam homens e as pessoas ficavam submetidas aos desejos desses deuses que eram não racionais ou não bondosos, você era joguete dos deuses, era uma solução falha. E o cristianismo tem todo o mérito de vir com uma solução assim que tudo resolve. Mas o budismo não tem essas soluções. A idéia do Zen budismo é, vou tirar todos os tapetes e bengalas nos quais você se apóia. Não há nenhum salvador e não há perdão, o que você fez tem conseqüências e essas conseqüências são inescapáveis, não há ninguém lá fora para socorrer você. O budismo diz que você está enganado quando pensa que você é um eu. Você é muito mais que isso, se você sair desse enredamento você se liberta. O dedo do budismo aponta para liberdade, para o despertar. Mas ele exige grande esforço, nada virá de graça, através de uma concessão divina ou intervenção de alguém, então você tem que trabalhar para se libertar. É o que a gente faz no sesshin. Não existe um caminho fácil no zen budismo, todo ele tem esforço. E não existe nenhuma promessa de fé ou qualquer coisa assim, não existe mágica no zen.