O Budismo também é cíclico | Monge Genshô

O Budismo também é cíclico | Monge Genshô

Uma antiga tradição dos tempos de Buddha, já referida em alguns sutras e repetida muitas vezes por várias escolas, fala na decadência. Essa tradição, usando diferentes períodos de tempo, diz que em uma primeira época com o Dharma ensinado existe iluminação e existe o despertar. Depois de alguns séculos estão presentes os ensinamentos, mas o despertar desapareceu e os monges estudam os textos e fazem cerimônias. Mais alguns séculos e os ensinamentos tornam-se esquecidos e restam apenas ritos e cerimônias vazias de sentido. Essa última época é chamada a época de mappô, de grande decadência. 

Cessado esse período, desaparece o Dharma e o ensinamento de Buddha e tudo é esquecido, então é necessário que surja um novo Buddha. Esse novo Buddha, é o Buddha do futuro chamado Maitreya. Portanto, a ideia de decadência está muito presente dentro do ensinamento budista. Há muitas considerações a fazer. Se observarmos o estado do zen no mundo, vemos que os monges vão progressivamente abandonando as regras. Hoje na Europa e nos Estados Unidos é comum vermos monges não rasparem mais a cabeça, porque até a aparência foi abandonada. As regras e as recomendações de Dogen dizem que os monges devem se afastar das pessoas poderosas, não acumular riquezas e ser cuidadosos em relação a todo o seu comportamento.

É verdade e vi isso no Japão, que bebidas entram nos monastérios e os monges as vezes sentam na frente da mesa e comem carnes e peixes, o que não era permitido na regra antiga quando havia se criado uma cozinha que tentava evitar sofrimento para todos os seres chamada shojin ryori. Hoje monges sentam em frente à mesa e com pudor guardam seus rakusus e mantos e depois comem, como se dissessem “neste momento não somos monges”. É claro que existem regras de muitos países de que não devemos recusar a comida colocada à sua frente, que seria uma manifestação egóica querer escolher, mas de qualquer forma retirar o rakusu ao comer alimentos assim mostra que ainda existe um resquício de pudor para agir de uma forma que ofenderia os monges de antigamente.

Cabe a nós da Daissen conservar as regras o mais próximo do possível dentro da nossa opção de sermos uma organização leiga, mas nossos monges não podem abdicar das regras ou então deixem de ser monges. Metade dos nossos noviços desiste em algum momento de prosseguir no caminho monástico, mesmo que sejamos tão suaves em comparação com as regras no tempo de Buddha. Dos 2.500 anos de história do budismo só nos últimos 150 anos os monges de escolas japonesas se casam, mas isso já foi um rompimento muito profundo com as regras anteriores. Deveríamos nos chamar apenas reverendos e não monges, porque “monge” significa só.

Está bem que optamos por este caminho neste último século e meio, isso facilitou a expansão do zen, mas agora temos que ser cuidadosos, porque senão a última era de decadência realmente se estabelecerá. Uma consideração que tenho feito é que o budismo também é cíclico e ao chegar no ocidente temos uma oportunidade de fazer renascer o espírito original. Cada um dos mestres do passado em seus escritos se lamenta de decadência. Dogen 800 anos atrás decepciona-se com os mestres que encontra e isto está bem claro em sua biografia. Ele viaja e procura até encontrar um mestre digno do seu respeito e junto a ele obtém um despertar completo. Ao voltar para o Japão ele traz esse ensinamento e diz “eu vou ensinar o verdadeiro budismo”, porque naquela época no Japão monges se armavam e os ensinamentos estavam misturados, as escolas mescladas e Dogen fez o milagre de manter o zen em um estado diverso.

Faz 800 anos e muita coisa sucedeu no meio deste caminho,  o zen absorveu ritos de outras tradições, mesmo não budistas, mas agora, no Ocidente, é como se estivéssemos recomeçando e os leigos têm grande vontade de aprender e há grande procura pelo despertar. Assim esta é, de novo, uma oportunidade de reciclarmos. Haverá quem não pense assim e opte pela leniência e pelo abandono das regras tradicionais, cabe a nós preservarmos a luz, guardarmos a transmissão cuidadosamente dentro de nossos corações para que o budismo possa ainda sobreviver. 

Durante todos esses milênios ele esteve em perigo várias vezes a ponto de chegar a desaparecer, como em países como o Sri Lanka, e teve que ser refundado. A trajetória de Dogen também é uma trajetória assim. Não estava satisfeito com o que encontrou, então tratou de reciclar, refundar e revitalizar.Assim, quando, por acaso alguém diga que a Daissen é demasiado rígida apenas silenciem e continuemos com nossa prática tendo em vista que devemos escapar da decadência e fazer nascer um budismo puro e forte.

Teishô Matinal proferido por Meihô Genshô Sensei, agosto /2021.