É comum as pessoas me escreverem quando começam a praticar dizendo estarem perdidas e sentindo um grande desconforto. Outro dia recebi um email em que a pessoa dizia ter um vazio dentro de si que não sabia como preencher. O que acontece é que o budismo é um método que começa com uma desconstrução completa daquilo que as pessoas costumam usar como bengala ou apoio. Quando começamos a ensinar o Dharma, as pessoas perdem seus referenciais tais como: “A quem pedirei algo? Quem pode me ajudar, Buda? Existem anjos ou seres celestiais que possam me ajudar?” A mensagem do Zen é que não há ninguém lá fora para quem você possa pedir ajuda, nem à Buda, que foi um homem com nós.
As escolas budistas às vezes são mais piedosas, o zen não é exceção, e dão ao praticante algo a que se agarrar, como por exemplo, o Bodhisattva da Compaixão ou Buda Amida. Muito embora se formos fundo no estudo, veremos que esses seres não são exatamente alguém lá fora. Isso é muito bonito no sentido de existir uma fé e este processo é bastante consolador. Mas em última análise o método do Zen não é consolador e é chamado de “O Caminho Direto”, pulando todos os estágios de prática, levando diretamente a um confronto consigo mesmo e com a vacuidade do “eu”. A única coisa oferecida pelo Zen na qual o praticante pode se apoiar são suas próprias ações.
São com as suas ações que um praticante Zen budista pavimenta o caminho que ele irá percorrer. A cada pedra colocada, o praticante pode avançar no caminho. Ele pavimenta o caminho com a construção de seu próprio carma, portanto, ele altera seu carma e com isso tiramos a responsabilidade ou o poder sobrenatural de qualquer outro ser lá fora. Nós temos os poderes sobrenaturais para a construção de nossas próprias vidas. Desta e das futuras. Como? Através de seus pensamentos, atos e palavras, através da construção de seu carma.
Alguns praticantes, quando lhes tiramos as ilusões, sentem-se desapoiados. Onde me apoio? Porém, mesmo no Zen existe um apoio e esse apoio chama-se Sangha. Apoiando-se na Sangha ele não está só e, além disso, ele tem ainda pais, irmãos e amigos. Quando ele diz que sente um vazio dentro de si difícil de preencher, lhe falta engolir o universo, pois ainda vê as coisas de forma separada e dual. “Eu estou separado, eu sinto um vazio”! O sentimento de solidão irá acabar quando ele conseguir pôr fim à dualidade, quando não mais enxergar o “outro” e “eu”. A solidão só existe com a separação. Vocês percebem que com frequência falo de meu Mestre, Saikawa Roshi? Por quê? Porque ele me é precioso. A última vez que esteve em Florianópolis fomos caminhar na praia e cada concha, cada pequeno peixe ou água viva que ele encontrava na areia, devolvia ao mar. Acredito que este seja verdadeiramente o sentimento de estar junto com todos os seres. Esta é também uma marca constante no praticante, a referência ao Mestre, porque quando fala no Mestre está dizendo “minha família”. Essa ligação que temos com o templo sede, com nosso Mestre e até mesmo com templos de fora do Brasil, nos coloca na sensação de unicidade, desta forma nunca estamos sós.
Aqueles que se sentem desamparados quando iniciam a prática, ainda não perceberam o quão acompanhados estamos. Mas é necessário vir à Comunidade, sentir a prática coletiva e escutar seu professor. Isso é muito importante.