Mestre Dôgen | Monge Genshô (Parte 7)

Mestre Dôgen | Monge Genshô (Parte 7)

(…)“O grande mestre Hongdau, do Monte Hiao, instruído por Shitou, o grande mestre Huoji, foi uma vez estudar com o mestre zen Dhaji de Jiangxi. Yoshan perguntou: ‘Tenho familiaridade com o ensinamento dos três veículos e com as doze divisões, mas qual é o significado de Bodhidharma vir do oeste?’. O mestre zen Dhaji replicou: ‘Pelo ser do tempo permitir que ele levante suas sobrancelhas e pisque; pelo ser do tempo não permitir que ele levante suas sobrancelhas e pisque; pelo ser do tempo permitir que ele levante suas sobrancelhas e pisque correto; pelo ser do tempo permitir que ele levante suas sobrancelhas e pisque, não é correto’. Ouvindo essas palavras, Yaoshan experienciou grande esclarecimento e disse para Dhaji: ‘Quando eu estudava com Shitou era como um mosquito tentando morder um touro de ferro, o que Dhaji disse não é o mesmo que as palavras dos demais. As sobrancelhas e os olhos são montanhas e oceanos, porque montanhas e oceanos são sobrancelhas e olhos. Permitir que levante as sobrancelhas é ver as montanhas, permitir que pisque é entender os oceanos, a resposta correta lhe pertence e ele é ativado por permitir-lhes que levante as sobrancelhas e pisque; não é certo, não significa não permitir que levante as sobrancelhas e pisque; não permitir que levante as sobrancelhas e pisque, não significa que não é correto, tudo isso é igualmente o ser do tempo. Montanhas são tempo, oceanos são tempo, se não fossem tempo não haveria nem montanhas, nem oceanos. Não penseis que as montanhas e oceano, aqui e agora, não são tempo. Se o tempo for aniquilado, as montanhas e os oceanos também serão. Como o tempo não é aniquilado, montanhas e oceanos não são aniquilados. Assim sendo, aparece a estrela da manhã, aparece o Tathagata, aparece o olho e aparece o erguer uma flor. Cada um é tempo. Se não fosse tempo, assim não poderia ser’.”.

Vejam apenas nesse último parágrafo: “assim sendo aparece a estrela da manhã” é uma referência à Vênus, que nasce de manhã junto com o sol, porque está mais próxima do sol e foi o que Buddha viu quando se iluminou. Foi olhando esse nascer da estrela da manhã que ele se iluminou. Quando diz “aparece o Tathagata”, Tathagata quer dizer aquele que assim vem, assim vai, aquele que não se altera. Quando diz “aparece o olho e aparece o erguer uma flor” é uma referência a Mahakasyapa que vê Buddha erguer uma flor, no sermão feito no pico do abutre.

Então para entender esse tipo de texto nós temos que saber ao que está se referindo. Se você ler o texto direto, parece extremamente obscuro. “Cada um é tempo, se não fosse tempo, assim não poderia ser”, esse é um assunto importante para Dōgen, ele escreve um texto inteiro sobre o “Ser-Tempo”, chama-se Uji, do qual esse aqui é um pedaço, é uma afirmação de que tudo é tempo.

Isso tudo era muito obscuro até o início do Século XX. Pela primeira vez alguém declara que espaço e tempo são um conjunto indissociável, que é a declaração de Einstein, que revolucionou toda a física moderna. Interessante que esse texto seja de mil duzentos e pouco, e durante todos esses séculos ele pareceu absolutamente sem sentido, esotérico, de significado oculto.

Diz ele no início desse texto: “O modo como o ‘eu’ se ordena a si mesmo, é a forma do mundo inteiro, vede cada coisa neste mundo inteiro como um momento do tempo. As coisas não impedem umas às outras, assim como os momentos não impedem um ao outro. Uma mente que busca o caminho é desperta neste momento, um momento que busca o caminho desperta nesta mente. O mesmo se dá com a prática e com o atingir o caminho, assim o ‘eu’ expondo-se em ordem, vê-se a si mesmo”.

Este é o entendimento de que o “eu” é tempo. Para terminar, mais um trecho do Uji: “Sabei que deste modo há infinitas formas e centenas de folhas de relva por toda a terra e no entanto cada folha de relva e cada forma em si mesma é a terra toda. O estudo disso é o começo da prática. Quando estais neste lugar só há uma folha de relva, só há uma forma; há entendimento da forma e nenhum entendimento da forma; há entendimento da folha de relva e nenhum entendimento da folha de relva. Como não há nada além deste momento, o ser do tempo é todo o tempo que existe; ser da relva, ser da forma, são ambos tempo. Cada momento é todo o ser, é o mundo inteiro. Refleti agora se qualquer ser ou qualquer mundo é deixado fora do momento presente”.

Trecho de palestra proferida por Meihô Genshô Sensei, Florianópolis, 2019.