Devemos nos direcionar para o que é bom

Devemos nos direcionar para o que é bom

Aluno: O senhor estava falando para a gente tomar cuidado com o que come e eu quero saber se isso vale também para outras coisas, como a televisão. É certo a pessoa se abster de ver televisão, já que a mídia publica tanta coisa ruim? Assim como procurar conviver com pessoas que transmitem algo melhor.
Monge Genshô:
Sim, é certo, mas tenho várias considerações a respeito. Eu fui diretor do Zero Hora na época em que ele era o quarto maior jornal do País e conheço a mídia por dentro. Muitas vezes vejo essa consideração a respeito de como a mídia trabalha, mas a verdade é que a mídia vive de audiência. Se tem notícia de violência é porque as pessoas adoram ver isso. Se você fizer um jornal e colocar: “grupo de 30 pessoas se reúnem para meditar” será uma notícia sem audiência, só ganharia atenção pela estranheza. Então se todas as pessoas desligassem a televisão quando vissem notícia de violência, essas notícias desapareceriam em 24 horas de todos os canais. O que ocorre é que estão sempre medindo o que as pessoas mais assistem, não adianta criar um programa que fale de outros esportes se todos querem ver sobre futebol, não adianta colocar um concerto de Brahms se todos vão mudar de canal. Mas se você quiser ver isso poderá pagar um canal específico e assistir. Hoje existem coisas maravilhosas disponíveis na televisão, só que é necessário pagar por isso. Semana passada eu assisti um documentário de três horas sobre o barroco europeu, mas tive que pagar para assistir porque essa é a demanda. Vi pelo Philos, um canal que tem como lema “penso, logo assisto”. Lá acho aulas, concertos, documentários, coisas ótimas, mas que não estão na televisão aberta. A televisão aberta se formou justamente colocando no ar o que atrai a maioria e isso não é de nível alto. Se você chega em outro país, no Japão mesmo, e liga a televisão aberta vai ver grandes porcarias, talvez até piores do que as que vemos aqui. Isso significa que há uma massa de povo inculto que procura o que é escandaloso, esse problema é bem antigo.
O sangue, a violência e o crime atraem o público por um fenômeno cerebral, as pessoas se sentem atraídas pelo que é assim porque apela ao perigo e existe uma parte do cérebro programada para prestar atenção no que é perigo. Usamos isso também quando colocamos o jisha sempre à frente do professor, porque se vier um tigre o jisha é comido e o professor se salva.
Mas, indo para a segunda parte da sua pergunta, o que nós devemos fazer é sermos cuidadosos e nos direcionarmos para o que é bom. Se você assistir algo traumático, isso fica na sua mente com muito mais força do que se você assistir algo belo. Nosso cérebro funciona assim. É por isso que a televisão chama a atenção das pessoas justamente com o que é ruim. Não é culpa da mídia, ela reflete a sociedade e se a sociedade muda, então a mídia muda. Por isso eu faço propaganda desse canal para que as pessoas vejam e ele sobreviva. Há um outro também chamado Arte 1. Então selecionem, tomem a decisão de procurar e isso vale para revistas, leituras e tudo mais na vida. Em algumas situações nós não podemos fazer isso, eu, por exemplo, trabalho como consultor então tenho que ler certas coisas. Se chego numa empresa e me perguntam sobre algum fato, eu preciso estar informado para responder. Mas isso não significa que vou ligar a televisão e vou me comprazer com os crimes mais horrorosos, eu não preciso fazer isso, já sei que eles existem, mais importante que ver é saber as estatísticas de como está a criminalidade, saber se ela cresceu, onde e por que diminuiu, se é possível mudar a mente de um presidiário, etc. Nós temos uma líder zen budista fazendo um trabalho assim numa penitenciária de Joinville e esse é um exemplo de trabalho que pode mudar o mundo. Se você direcionar a mente para um outro sentido poderá mudar o mundo.
O budismo já existe há 2600 anos e tem pouca gente ainda. Sempre que houve conflitos ele saiu perdendo. Infelizmente a invasão muçulmana na Índia contribuiu para destruir o budismo lá. A Universidade de Nalanda, na época era a mais antiga universidade do mundo, muito anterior às universidades europeias, foi destruída, com dez mil alunos, só sobrou os alicerces e havia uma preferência inclusive de matar as Monjas, porque achavam absurdo os budistas terem dado às mulheres autoridade religiosa. A linhagem feminina desapareceu no século XIII e por isso as mulheres são ordenadas hoje na linhagem masculina em muitos lugares. Na China o budismo também foi perseguido e destruído, renasceu das cinzas, mas foi destruído principalmente porque ele era ruim para o império. Havia uma acusação de que os homens, para fugir de serem soldados, iam para os mosteiros. No Japão, no século XIX, houve uma campanha contra o budismo. Para que o imperador fosse considerado Deus, assim como acredita o xintoísmo, o budismo precisava ser eliminado. A campanha feita em 1872 influiu até na minha vida, porque foi quando o imperador assinou uma lei permitindo que os Monges casassem para que assim o budismo fosse desmoralizado e perdesse o prestígio. Essa estratégia não deu certo e inclusive facilitou ter mais Monges, porque pessoas casadas também se tornaram Monjas e Monges. Apenas no budismo japonês os Monges casam. Mas é importante saber que isso foi uma tentativa de destruir o budismo, porque ele era pacifista e o império queria guerras. O Japão fez guerras horríveis nessa época e hoje escondem, diferente dos alemães que têm museus e ensinam toda a história para as crianças para que elas não cometam o mesmo erro. No Japão não há um único museu das atrocidades cometidas.
Infelizmente isso em parte aconteceu porque o budismo foi reprimido. Mas o que eu quero dizer é que pelo budismo nunca reagir, muitas vezes ele acaba desaparecendo. É o que aconteceu no Tibete, por exemplo, mas foi por isso que o budismo tibetano se espalhou pelo mundo. Hoje a maioria dos moradores do Tibete é chinesa, a etnia tibetana se tornou minoritária no próprio país. Seis mil templos e monastérios existiam, hoje existem apenas oito. Todos os outros foram incendiados.