Deus e o budismo

Deus e o budismo

Certa vez nos foi perguntado se é possível, na visão buddhista,saber intuitivamente, ou pelos livros sagrados, quem é, e como é Deus.
Existe uma estória no Oriente que fala que o dedo apontando para a lua não é a lua! A Realidade Suprema é “suprema”, porque não tem igual e nem pode ser medida. Assim, quando falamos “dela”, não é “dela” que estamos falando, pois palavras são limitações e com limitações não podemos falar do que é ilimitado por natureza. Qualquer nome que dermos a esta “Realidade” é apenas uma meia verdade, pois quando afirmamos algo, imediatamente negamos tudo aquilo que não foi afirmado inicialmente. Como disse no século VI o Pseudo-Dionísio: “Deus não é nem Uno, nem unidade, nem divindade, nem bondade, nem espírito, no sentido que damos a essas palavras; não é filho, nem pai, nem nada mais do que nós próprios ou qualquer outro
poderíamos conhecer”. É por isto que o Buddhismo não fala de Deus, nem tenta muito enfaticamente nomear esta “Realidade”. É o que o Cristianismo chama de Teologia apofática: a afirmação do Sagrado através de negações (do grego apophasis, negação). Mestre Eckhart diz que Deus deve ser amado como “… não-Deus, não-Espírito, não-pessoa, não-imagem, mas apenas amado como Ele é, um puro e simples absoluto, destituído de toda a dualidade e no qual devemos eternamente afundar de vacuidade em vacuidade”.
Sendo assim, procurar compreender a totalidade desta “Realidade” através da razão é, no Buddhismo, como tentar segurar o rio Amazonas com uma peneira. A razão é limitada! Livros, estudos, rituais ou qualquer técnica são apenas dedos apontando para a lua. São sinais. Achar que instrumentos limitados podem levar ao Ilimitado é como subir em um sinal de trânsito esperando que ele nos leve até outra cidade. Eles apenas apontam para lá!
Daí o Pseudo-Dionísio afirmar: “O mistério que está para além do próprio Deus, o inefável, o que tudo nomeia, a afirmação total, a negação total, o para além de toda a afirmação e de toda a negação”.
Neste mundo da linguagem humana, tudo tem dois lados. A “Realidade ” pode ser vista sob o aspecto pessoal e sob o aspecto impessoal. O Buddhismo tem a tendência a enfatizar este último. Ele também enfatiza seu aspecto interior, mais do que o exterior. Mas isto sem nunca esquecer que sempre há os dois lados. Assim como no Cristianismo também se fala, algumas vezes, de Deus como uma realidade interior (“O Reino de Deus está dentro de vós”) e impessoal (a “Divindade” de Mestre Eckhart), também no Buddhismo se falará, por vezes, da “Realidade Última” enquanto pessoal e exterior, como no caso dos diversos Buddhas e Bodhisattvas sempre presentes em todas as direções do universo, sempre prontos para ajudar os seres sencientes.
Podemos dizer que, enquanto o homem estiver em contato com o Dhamma (que é como o Buddhismo chama esta “Realidade Última”) ele não está só.
Dhamma significa “Aquilo que suporta, que sustenta”. Fundamentalmente,todos
os seres estão ligados entre si e dependem de todos.
A definição da “Realidade Suprema” é uma noção que geralmente tende a
separar o Cristianismo do Buddhismo. A questão é menos de contradições intransponíveis que de compreensão mais profunda dos termos envolvidos.
Outra das dificuldades entre cristãos e buddhistas tem sido o conceito de reencarnação. Infelizmente, isto que parece separar estas duas grandes religiões, não passa de um grande erro, pois, ao contrário do que muitos pensam, o Buddhismo não tem uma doutrina reencarnacionista, pelo menos não quando interpretado corretamente.
(continua)
Ricardo Sasaki “O Caminho Comtemplativo”