Com as duas mãos

Com as duas mãos

Às vezes, parece maluco ficar sentado de frente para a parede tantas horas, mas vocês começaram ontem. Digam-me os pensamentos de ontem para hoje depois dessas horas de meditação, os de ontem foram um tipo de pensamento, hoje os que se apresentam já são uma camada um pouco mais profunda porque os de ontem já começaram a perder força, por isto cada dia mergulhamos mais fundo. Mesmo que nós sentemos lá e a cabeça não pare, mesmo que pareça puro sofrimento ficar sentado ali, os pensamentos mudaram, estão mudando, então isto é ir atravessando o rio e jogando fora coisas que estão presas, aprisionamentos na nossa mente. Estes aprisionamentos são aquilo que nós estamos tentando reunir. Reunir a nossa mente que estava espalhada. Largando todas essas coisas que são inúteis e que vieram conosco para cá. Qual é a essência? A essência de nós mesmos? A essência de estar sentados aqui?

No sesshin dormimos pouco, acordamos cedo e ficamos cansados, com sono. É proposital porque melhor estar cansado para fazer zazen. É mais fácil sentir-se sonolento e mergulhar mais no inconsciente. Quando sentamos para comer, aceitamos todas as comidas que vem. Todas as coisas. Eu sei que apesar da gente ficar calado há um discurso interno de observações que vão surgindo na nossa cabeça, também são nossos aprisionamentos, todos comentários que nós estamos fazendo, por que não é assim? Por que este zafu não é melhor? Por que esta cerimônia? Todos esses “por quês” e coisas que a gente comenta, são discursos internos do eu. Este discurso interno também tem que calar porque quando calamos a boca ainda continuam os pensamentos, então nós já conseguimos aqui algumas coisas. Trabalhamos bem o corpo. Dormimos pouco, comemos frugalmente, não temos sexo, nem distrações, jornal, televisão, não temos nada para mexer com as mentes. Calamos a boca para não perturbar os outros porque as nossas observações fazem os outros pensarem. Qualquer elogio levanta, qualquer crítica nos dá aversão pela  pessoa que nos criticou. Então calamos a boca para não mexer. Quanto menos mexer melhor. Temos que começar a prestar atenção também nossos gestos, como ensinei sobre as cadeiras, por quê? Temos que segurar com as duas mãos qualquer coisa, por quê? Porque quando batemos alguma coisa significa o quê? Significa uma mente desatenta. Então fazemos tudo com as duas mãos. O oryoki é um treino para isto. Nós temos que pegar as tigelas com as duas mãos. É freqüente você se distrair. Se você faz com as duas mãos aí coloca a sua mente naquilo. Mas se você pega com uma só mão então começam a acontecer os ruídos, porque não conseguiu fazer com toda a calma, por isto a gente presta atenção no que está fazendo.