Apego e aversão

Apego e aversão

O sofrimento provém do apego, essa é a informação que a gente ouve. Por causa do apego é que nós entramos em sofrimento. Isso é bem verdade, em geral sofremos pelas coisas nas quais colocamos nosso coração, aí estará a possibilidade de nosso sofrimento. Nenhuma das coisas do mundo é permanente, sólida ou estável, tudo está sempre mudando e iremos perder as coisas que julgamos preciosas. Perderemos os amores, as pessoas, o crédito, a fortuna e a fama. As coisas surgem e desaparecem. Porque nos agarramos à elas e nelas colocamos nosso coração, então sofremos pelas perdas.
Temos muita dificuldade de nos libertarmos desse tipo de sofrimento porque sempre fomos ensinados desde pequenos a chamar as coisas de “meu” e “minha”. Primeiro aprendemos que temos um “eu”. Logo depois aprendemos o “é meu”. Como agregamos essas coisas ao nosso “eu”, quando elas partem, sofremos. Quanto mais memória você guardar disso, mais sofrimento terá. Agora mesmo estava me lembrando de quando era pequeno e minha irmã ganhou uma caixinha de música, girava-se uma manivelinha e tocava uma melodia. Eu e meu irmão ficamos muito intrigados e resolvemos desmontar a caixa para ver como funcionava. Evidentemente destruímos a caixinha de musica. Lembro que minha irmã entrou no quarto onde estávamos e viu o que fazíamos. Isso deve fazer uns 55 anos. Mas da última vez que estive com ela, ela me acusou de ter destruído sua caixinha de musica. A caixinha de musica de 55 anos atrás ainda causa sofrimento.
Hoje um aluno me escreveu porque eu havia dito a ele que não era um ser perfeito. Mas o que interessa nessa história é que, porque havia apego, houve sofrimento. Como houve intenção, isso criou um carma e esse carma ainda vive depois de tantos anos. Mas existe outro aspecto que nos causa sofrimento que normalmente é esquecido – a aversão.
Buda ensinou: “sofremos por apego, por aversão e por ignorância”. Nós sofremos também quando sentimos aversão. Aversão a pessoas, coisas, alimentos, enfim, todas as coisas. Desenvolvemos preferências e dizemos: “eu gosto disso”, “não gosto daquilo” e dessa forma criamos sofrimento.
Por causa disso, nos monastérios Zen, quando se servem os alimentos, isso também nos nossos retiros, são servidos alimentos diferentes e você não pode recusar, não pode deixar de comer nenhum deles. Eu pessoalmente nunca gostei muito de comida japonesa não sei porque resolvi ser monge de uma escola japonesa. Já estive em mosteiros onde a comida servida era tipicamente japonesa, não a comida que a gente come em restaurantes, mas a comida mais do dia-a-dia do japonês, ameixas salgadas, pudim que tem pimenta dentro, café da manhã com papa de arroz sem sal e legumes cozidos. Para um brasileiro que não está acostumado, quando se depara com esse tipo de refeição pela manhã, estranha.
O que acontece é que você tem que sentar, receber a comida e comer sem julgamentos de “eu gosto, eu não gosto”. Depois de repetir a mesma comida por dez refeições, você acaba gostando, acaba descobrindo sabores que não conhecia, mas para isso o julgamento “gosto”, “não gosto” tem que cessar. Esse treinamento é feito para superar o sentimento de aversão. Os mestres costumam fazer algumas coisas um pouco incompreensíveis, por exemplo, existe um mal estar entre dois monges, eles não se entendem muito bem. Lembro-me bem de um episódio entre duas monjas que foram reclamar ao mestre, cada uma dizendo odiar e ser odiada pela outra. Então o mestre tomou a providência de colocá-las a dormir juntas no mesmo quarto. Você deve aprender sua aversão. O ensinamento é “Sente-se com seu desconforto”. As opções são: ou você vai embora ou fica e resolve a questão.