Além de nome e forma | Monge Genshô

Pergunta: Parece-me que o Budismo tem como objetivo despertar as pessoas das ilusões por meio do estudo e prática do Dharma, entendendo a relação do eu com o mundo. Ao mesmo tempo, a psicanálise tenta retirar do próprio indivíduo o alívio do seu sofrimento por meio de diálogos, que trazem do inconsciente do indivíduo uma certa emancipação. Saberia me dizer se há alguma relação entre psicanálise e Budismo?

Monge Genshō: Bom, temos até livros a respeito deste assunto. Um dos primeiros livros publicados em português, de autoria de Erich Fromm – um psicanalista de linha freudiana – e Daisetsu Teitaro Suzuki, chama-se “Zen-Budismo e Psicanálise”. Nele há uma comparação a respeito dos métodos de cada um, que em certa medida são complementares e em outro sentido são opostos na sua abordagem. Em geral, a psicologia tentou reforçar e estruturar bem um “eu”, de modo que o indivíduo pudesse se adaptar bem ao mundo. E um bom exemplo, que já dei antes também, é que é perfeitamente plausível que você tenha um psicólogo trabalhando numa equipe de atiradores de elite, para que eles possam matar e lidar bem com o fato de que estão cumprindo aquela ordem e que está tudo bem; eles podem ser tranquilos e lidar bem com os problemas. Há uma série televisiva que explora um pouco esse assunto, chama-se Homecoming, com Julia Roberts, e lá contam uma história ficcional de uma empresa que trata de adaptar homens saídos do combate da guerra com traumas para que possam ser reinseridos na sociedade.

Então os objetivos do zen e da psicanálise não são idênticos. O zen pretende libertar o homem completamente, inclusive da sua ilusão mais básica que é acreditar na ilusão de que ele é aquele “eu” que nós construímos para transitar no mundo. O que o Budismo explica é que esse eu é existente, é útil, mas ele é como uma roupa que você veste para transitar no mundo, é uma identidade. Ele tem uma utilidade, mas é uma fantasia. De certa forma, nós podemos olhar para as vestes dos monges assim também, são fantasias e embora eu mesmo tenha levado quinze anos de prática para chegar a essa graduação, ela é uma fantasia, é uma construção. É útil porque tem uma eficácia simbólica, quando estou falando  publicamente ela funciona bem, mas a verdade mesmo é que debaixo dessa roupa tem um homem comum. Assim, as construções como um “eu” são úteis, mas não passam de construções e fantasias. Vestimos fantasias para entrarmos no baile a fantasia da vida, para exercermos papéis, mas nós não somos a roupa e nem a fantasia; nós somos alguma outra coisa. Por isso a pergunta essencial no Zen é: quem você é além de nome e forma? Essa é uma pergunta que, na realidade, não se faz dentro da psicologia até agora.

Perguntas e respostas de palestras proferida por Meihô Genshô Sensei, ano de 2020.