O Caminho - Parte 1 | Monge Kōmyō

O Caminho - Parte 1 | Monge Kōmyō

Existe uma imagem no zen budismo muito recorrente, que é o “caminho”. Quando jovem, e iniciando minha prática, e lendo os livros, eu me encantei muito com essa imagem. Caminho no Zen representa algo muito interessante, porque nesse caminho não existe a origem nem existe o destino. E o caminho é feito enquanto nós damos os nossos passos. Ele surge, ele é criado, quando nós caminhamos. Como é dito por um grande mestre zen japonês, “Nenhum lugar de onde vir, nenhum lugar para ir”.
Essa imagem é uma imagem que representa o esforço da prática. Que é a experiência, e consequentemente, a sabedoria de consciência que nós podemos obter. E é uma imagem necessária porque o nosso Eu está sempre buscando um prêmio. Por que eu faço isso? Ah, para ganhar isso. Por que isso acontece? Por que eu me envolvo nessa situação? Ah, porque ela vai me dar algum retorno. Essa é a forma do Eu de estabelecer o que ele considera valor.
E o Zen encontrou essa imagem para representar uma experiência que não se encaixa em expectativas de um Eu. Esse caminho não leva a lugar algum. Para a nossa identidade pessoal isso é muito frustrante. Quando as pessoas se interessam pelo zen, como eu sempre digo, por vários motivos, elas querem vários tipos de prêmios: ficar mais tranquilo, superar os aspectos da personalidade, deixar de ser muito agitado, trabalhar melhor a ansiedade. E mesmo quando nós ensinamos o Zen nós falamos de experiências. Aos poucos, com a prática, nós percebemos que o grande fundamento, os vários fundamentos, do ensino de Buddha, é de que o mais valioso resultado de algo que aparentemente não tem nenhum resultado é a liberdade de se prender a expectativas de resultados. Paradoxos, paradoxos, paradoxos. O Zen é uma tradição de paradoxos.
Nós ensinamos uma prática cujo a base está no desenvolvimento da consciência, da sabedoria, da compaixão, da fraternidade e amor. Ah, esses são nossos prêmios? Não, eles não são prêmios. Não são coisas que vocês vão obter para o desfruto do seu Eu. E é por isso que a ideia de felicidade, no grande corpo de ensinamentos budistas, é uma ideia muito difícil de definir. Porque a felicidade, como experiência plena, não vai se encaixar em nossas expectativas.
Portanto, a imagem do caminho, como várias outras imagens do Zen, tem como objetivo tirar o Eu da equação. Todo ensinamento Zen precisa, antes de mais nada, ser compreendido como um processo onde nossa identidade pessoal deixa de ser o ditador, para simplesmente organizar a nossa coerência mental. Só isso. Nosso Eu, ele existe apenas para nos dar os parâmetros saudáveis de nossa pessoalidade. Sem isso, nós somos pessoas loucas. Perdemos a capacidade de compreender as coisas, e nos tornamos pessoas de muito sofrimento. Então o Eu é necessário, até certo ponto. Além desse ponto, o Eu é um lastro, ele só atrapalha.

[CONTINUA]


Teishō proferido por Kōmyō Sensei no dia 4 de março de 2023 na sangha do Rio de Janeiro.