Como lidar com as pressões da vida? - Parte 3 | Monge Genshō

Como lidar com as pressões da vida? - Parte 3 | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]


Monge Butsukei: Existem escolas em que não se pode desistir de ser monge?
Genshō Rōshi: No budismo não. No budismo não é nem um pouco complicado deixar de ser monge. É só dizer: eu não vou seguir mais esses votos. Porque os votos são seus. Não é uma instituição que investiu em você e que vai lhe cobrar alguma coisa. Você não está preso, ligado a ela. Não se trata de uma seita de onde é difícil sair. Na Daissen mesmo, na nossa organização, se alguém pára de frequentar, de vir, nós nem vamos até a pessoa e perguntamos por que você parou de vir? Isso é uma decisão dela. Uma decisão na qual nós não interferimos.

Monge Butsukei: Por onde começar no budismo?
Genshō Rōshi: Bem, sempre respondo que, se você está assistindo isso aqui, você de certa maneira já começou. Mas você pode adquirir livros para ter conhecimento da doutrina budista que é muito diferente de tudo que nós conhecemos no nosso mundo.
É, em alguns aspectos o contrário daquilo que as pessoas acreditam. Por exemplo, não tem pecado, não tem nada permanente, nenhum Deus que decide castigá-lo, nem que lhe deu regras, nem que vai premiá-lo. Não há essas coisas no budismo. Então o budismo é muito diverso de modo que você precisa ler algo para entender.
Eu recomendo para os iniciantes o livro O pico da montanha é onde estão os meus pés.

Monge Butsukei: Qual o ponto de vista do budismo sobre a luta de classes e a luta por um mundo mais justo? Creio que num mundo assim não existiriam essas pressões por status.
Genshō Rōshi: Desde que é um mundo humano e que é um mundo competitivo haverá sempre considerações desse tipo porque os seres humanos têm naturalmente a marca do egoísmo. E isso é que propiciou todas essas teorias. Inclusive a chamada teoria da luta de classes desenvolvida por Karl Marx, é uma tese que implica que você tem que olhar classes como diferentes entre si, seres humanos como diferentes. Isto conflita com o pensamento budista de negar a ideia de casta, de diferença entre as pessoas. É ela a ideia em si que cria divisão.
Quando nós admitimos uma teoria de luta de classes as sociedades que foram organizadas a partir dessa tese, começaram a classificar as pessoas. Esse é filho de um trabalhador, então ele tem uma determinada origem. Aquele outro é filho de um burguês ou é filho de um aristocrata ou de um rico. Então, ele não tem o mesmo merecimento. Estava impresso na pessoa já uma discriminação por classe por causa disso. E uma discriminação por ideias políticas levou também a sociedades muito policiais e repressoras e fracassadas economicamente.
As ideias em busca da justiça social tiveram uma grande influência mudando a sociedade principalmente na Europa e propiciaram o surgimento de sociedades mistas que funcionaram muito bem. Liberdade econômica com busca de justiça por parte dos governantes. Nada de luta de classes.
Sociedades em que as ideias sociais conviviam com uma liberdade de empreender e uma liberdade econômica foram vitoriosas em produzir riqueza. E as ideias sociais de produzir maior igualdade atingiram esse objetivo principalmente nos países do norte da Europa, num dos quais eu tive oportunidade de trabalhar e estudar durante algum tempo. E isso me marcou bastante.
Nesses países, como Dinamarca, Holanda, Noruega há uma sociedade onde os ganhos mais altos e mais baixos são muito próximos. Diferenças de quatro vezes e não de 50 vezes como vemos num país como o Brasil que tem muita conversa, muita teoria, mas uma aplicação que não funciona. Mesmo quando aqueles que preconizam a teoria da justiça estão no poder num país como o Brasil, essas ideias de justiça social não se realizam, pelo contrário. Mas nós as vemos se realizarem no norte da Europa.
Nós deveríamos olhar isto com mais atenção, evidentemente onde há injustiça é mais difícil viver. Você mesmo, estar em paz com você mesmo. Se você anda pela rua e vê uma pessoa dormindo na calçada ou passando fome, isto é uma coisa que o leva a se sentir mal.

Monge Butsukei: Conte-nos um pouco sobre suas desistências e decisões.
Genshō Rōshi: Bom, no início da minha vida eu trabalhei como vendedor, diretor comercial, depois como empresário. Com 26 anos eu já era diretor de uma empresa com mais de 70 funcionários. E depois disso, trilhei uma carreira como executivo contratado, como diretor de empresas. Depois como diretor de uma das maiores empresas de comunicação do sul do país. E aos 40 anos deixei tudo isso para ser apenas consultor. E nessa época eu me aprofundei no Budismo.
E depois no final acabei abandonando a carreira de consultor quando já tinha mais de 60 anos para me dedicar apenas a uma nova carreira como monge. E fui para monastérios nos Estados Unidos, no Japão para treinar e me tornar monge e o que implicava fazer tudo ao contrário do que um executivo faz. Não acumular bens, se desfazer das grandes posses, viver de uma forma mais modesta, mas me dedicar aos outros. É isso que estou vivendo no momento, pretendo continuar vivendo assim até a próxima desistência que é desistência desse corpo momentâneo que eu estou usando aqui agora.

[CONTINUA]


Resposta proferida por Genshō Rōshi na live nº81, do canal Sobre Budismo, durante o ano de 2022.