A Transmissão Além das Palavras | Monge Genshō

A Transmissão Além das Palavras | Monge Genshō

Continuamos com a introdução ao poema Sandōkai, conforme o trabalho de Mokugen Rōshi. Diz ele: o Satori de Buddha é divulgado pela presença física, como uma transmissão direta de mente para mente, de coração para coração. Satori é uma palavra que significa um estágio superior de despertar, de iluminação.

Nós sabemos que a iluminação tem muitos degraus. É exatamente sobre esse assunto que trata o livro Além do Pico da Montanha, publicado e disponível na Daissen, onde examino o texto do século XII no Zen. Nesse texto, os passos do despertar são comparados, em uma alegoria, ao domínio de um touro, ou boi. Primeiro, procura-se encontrar o animal, no primeiro passo, atingindo o ponto de dominá-lo, de estar sobre ele e conduzi-lo para onde quisermos nos passos seguintes, ao som de uma flauta.

No terceiro passo, o Kenshō, a experiência de despertar já está presente. Temos dez passos, e cada um é mais difícil do que o anterior, bem mais. Quando falamos em Kenshō, a experiência de iluminação, de despertar, ela pode ser muito fugaz, muito breve, mas o Satori é outra coisa. O Satori é o domínio do despertar, o domínio da experiência, de tal modo que aquele que tem o Satori pode, a qualquer momento, voltar à condição do despertar. A condição do despertar torna-se sua condição natural, e estar no mundo relativo, no mundo dos sonhos, é a exceção.

Então, o Satori é um nível muito alto de realização espiritual.

Vamos dizer que ele está presente no oitavo passo no Caminho do Boi. Quem quiser ver mais detalhes pode consultar o texto em que a explicação é dada detalhadamente no livro Além do Pico da Montanha.

A questão de ser uma transmissão direta de mente para mente é muito importante no Zen. A expressão é Ishin-denshin. “Shin” pode ser lido como mente e também como coração. Ishin-denshin quer dizer que a transmissão foi da minha mente para sua mente. Essa compreensão de mente para mente significa que ela está além das palavras. Para compreendermos historicamente isso melhor, devemos ver que o Zen é uma espécie de rebelião, uma heresia contra a forma que o Budismo havia atingido depois de mil anos de existência.

Primeiro, temos um momento em que Buddha está ensinando aos seus discípulos e se registram os seus ensinamentos. Temos muito mais registros das palavras de Buddha do que temos de líderes que surgiram muito depois, como Jesus ou Messias, cujo registro é muito parco comparado ao registro de Buddha. Os Tripiṭaka, a coleção dos sutras, das regras monásticas — o Vinaya, segunda parte dos Tripiṭaka — e os comentários juntos equivalem a mais ou menos 12 bíblias completas.

Então, é muito mais texto, muito mais informação, porque houve, desde o início dos ensinamentos de Buddha, preocupação em ter secretários que os registrassem. Enquanto os evangelhos cristãos foram escritos a partir de um século depois da sua morte, e escritos no inglês daquele tempo, que era o grego, os ensinamentos de Buddha foram registrados em Pāli, rememorados desde sua morte.

O hábito de transferi-los para o Sânscrito vem do fato de este ser considerado uma língua culta, mais ou menos como aconteceu durante toda a Idade Média na Europa, quando os textos filosóficos eram escritos em latim. Só mais tarde as línguas locais começaram a assumir um papel mais importante. No início, o latim era a língua culta, e o Sânscrito era a língua culta no tempo de Buddha; não era a língua popular.

A língua popular, na qual o próprio Buddha ensinava, era o Pāli, um descendente do Sânscrito. Podemos ver as diferenças, por exemplo: uma palavra como “Karma”, em Pāli, é “Kamma”; a palavra “Dharma” é “Dhamma”. A língua torna-se mais simplificada, perdendo principalmente consoantes como o “r”.

No Zen, o estado do Satori não é ensinado por meio de palavras, mas transmitido intuitivamente, presencialmente, de mente para mente e sem apego às letras, ou seja, uma transmissão que está além das palavras.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual 6 em julho de 2024.