Sandōkai: Sexta Estrofe – Parte 3 | Monge Genshō

Sandōkai: Sexta Estrofe – Parte 3 | Monge Genshō

[CONTINUAÇÃO]

Prossegue Mokugen Rōshi, o autor desse livro:

Sou algo muito mais do que meu eu relativo. E a minha maneira singular de ser estou expressando a natureza de Buddha. Também todos os outros seres e coisas estão fazendo o mesmo. Dessa forma, todas as coisas, ou cada coisa, vêm com uma verdade universal.

Sem uma mínima fenda, nem discrepância. Quando unificados, não são mais dois aspectos, mas formam uma só unidade em uma fusão harmônica. Na vida cotidiana, nossas ações e essência coincidem unanimemente. Da mesma maneira, iluminação e prática tornam-se uma só unidade.

Esse é um assunto que Dōgen trata também em textos famosos. Séculos depois — quase 500 anos depois de Sekitō Kisen — ele escreve que a iluminação e a prática são a mesma coisa. Essa é uma maneira de desarmar a mente ambiciosa. Porque sentamos com a intenção de nos iluminar. E sempre digo que um bom momento é quando um aluno diz para mim que não sabe mais por que está praticando. E perdeu a ambição. É um excelente momento, porque ele começa a praticar por todos os seres e não por si mesmo.

Quando Dōgen diz que prática e iluminação são a mesma coisa, ele quer desarmar essa mente ambiciosa de sentar-se procurando algo. Embora todos nós comecemos a praticar procurando algo para nós mesmos, um dia devemos desistir de procurar esse algo.

Quando desistirmos, então surge uma janela de oportunidade. Porque, enquanto estamos procurando algo para nós mesmos, esse próprio desejo é um impedimento. É um impedimento materialista. Queremos alcançar algo. E como queremos alcançar algo e estamos perdidos dentro de nós como indivíduos, olhamos para os outros e vemos as falhas dos outros, vemos os defeitos dos outros. Vemos as falhas dos mestres, vemos as falhas dos monges, vemos as falhas dos leigos, nossos companheiros e do mundo todo.

Por isso existe especificamente um preceito:

Não fale.
Não fale das falhas dos mestres, dos monges, dos leigos, seus companheiros.

Não fale.
Na realidade, nem pense.

Se você não pensar, é melhor.

Talvez seja um dos mais difíceis de todos os preceitos. Porque estamos demasiado acostumados a olhar para nós mesmos e olhar o mundo em volta com nossos olhos críticos e julgadores. Esses olhos críticos e julgadores são um grande problema, porque eles nos concentram em nós mesmos. Eu não quero dizer aqui que não devemos julgar.

Algumas vezes os praticantes vêm com essa falha de pensamento. Na verdade, você precisa. A vida relativa é uma vida de julgamentos. Você tem que julgar: esse lugar é bom para mim; essa pessoa é um amigo que devo cultivar; ou essa pessoa é alguém de quem devo me afastar. Você precisa ter julgamentos o tempo todo. Mas, do outro lado, se você tem uma mente que está procurando os defeitos, ela é profundamente egoica.

Quando alguém vem e me diz: “Ah, fulano faz tal coisa errada na comunidade”, o que eu ouço é a pessoa dizer: “O outro está errado. Eu não, eu não faço isso. Eu sou melhor.” É isso que ele está querendo dizer: que é distinto, melhor do que os outros. Ele vê os defeitos dos outros, não vê os seus.

Por isso as respostas padrão dos mestres nos monastérios:

A resposta padrão é: não olhe para a prática dos outros, olhe para a sua própria prática.

Critique a si mesmo, não critique os outros.
Essa é a resposta padrão para o treinamento.

Na vida cotidiana, nossas ações e essência coincidem unanimemente, e da mesma maneira, iluminação e prática tornam-se uma só unidade. Essa é a frase. Você deve sentar-se como se isso fosse a iluminação, para não procurar. Ao mesmo tempo, você precisa do esforço.

Por isso a célebre frase de um dos meus primeiros professores, Igarashi Rōshi, que diz que com esforço não se consegue nada. Mas sem esforço, aí sim, é que não se vai a lugar algum. O que expressa o paradoxo dessa situação, exatamente como é no Zen: você tem que esforçar-se sem esforço. Na verdade, não esforçar-se para si mesmo, mas conceder de si mesmo para os outros.

O terceiro e o quarto versos dizem que, ao ouvirmos as palavras do Dharma, devemos prontamente incorporar a verdade fundamental. Não devemos estudar o Dharma caprichosamente por meio da nossa própria régua contaminada. O problema é que não devemos julgar as coisas com a nossa própria régua ou com a nossa própria mente.

A mente pura de Buddha não pode ser interpretada pela nossa régua pessoal, eivada de ilusões. Cheios de ilusões, queremos usar nossa régua para medir tudo — os outros, os ensinamentos, cada coisa. E, ao fazermos isso, contaminamos tudo, porque a nossa maneira de olhar já é uma régua eivada de ilusões.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no dia 21 de setembro de 2024.