Sandōkai: Sexta Estrofe - Parte 1 | Monge Genshō

Sandōkai: Sexta Estrofe - Parte 1 | Monge Genshō

O Dharma, incomparavelmente profundo, de uma sutileza infinita, é raramente encontrado, mesmo em milhões de milhões de ciclos universais. Possamos nós agora ouvi-lo, aprendê-lo, guardá-lo. Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tathāgata”.

Bom dia a todos. Vamos prosseguir hoje, já estamos quase no fim do poema Sandōkai. Estamos na sexta estrofe e essa é a penúltima estrofe.

Eu vou lê-la e depois a comentaremos: “Ao ouvirmos as palavras do Dharma, devemos prontamente incorporar a verdade fundamental.”

Não devemos estudar o Dharma caprichosamente por meio da nossa própria régua contaminada. É praticamente uma conclusão do Sandōkai. E nele se trata da integração e harmonia do absoluto com a independência do mundo relativo.

Lembrem que nas palestras anteriores nós falamos sobre esse grande poema de Sekitō Kisen. Sekitō Kisen morreu antes do ano 1000. Então nós estamos lendo um texto de mais de mil anos de idade. Ele está na origem da nossa própria escola, da escola Sōtō Zen. Trata-se dos primeiros mestres logo depois de Huìnéng, que foi o patriarca chinês que preconizou a escola súbita em que estamos.

Escola súbita porque admite que a iluminação pode ocorrer a qualquer momento. Despertar pode ocorrer a qualquer momento. É claro que essa é uma questão bastante teórica, porque ele pode ocorrer a qualquer momento, mas normalmente só ocorre depois de longo, longo, realmente muito longo esforço — na verdade, um esforço que exige o transcorrer de muitas existências.

Nessa harmonia do absoluto e da independência, como nós estudamos antes, Sekitō Kisen explica que há um absoluto que se constitui na verdade dos relativos. Ele só se manifesta como relativo. Ele está repetindo de outra forma a frase do Prajñāpāramitā, do Sutra do Coração: “o vazio é forma e a forma é vazio”.

O vazio, no caso, é absoluto. O absoluto integra todos os relativos. Os relativos, em si, cada um de nós, se sente e é independente. De certa forma, existe independentemente. No entanto, de outra forma, é interconectado e interdependente de todas as outras coisas. Nem por uma fração de tempo muito curta podemos subsistir de forma independente.

Dependemos do oxigênio, dependemos da própria pressão da atmosfera para estarmos aqui íntegros. Se não houvesse pressão, instantaneamente explodiríamos. Como um astronauta cujo traje foi retirado no vácuo absoluto: seu sangue ferve e seu corpo explode porque não há mais nada para contê-lo.

A pressão externa não existe lá e existe uma grande pressão interna que nós não notamos aqui agora, porque ela é simplesmente equilibrada. A nossa pressão interna e a pressão que sofremos da atmosfera existem simultaneamente.

Isso mostra a nossa absoluta dependência de todas as coisas. O que não quer dizer que não nos sintamos seres independentes, indivíduos. Ao mesmo tempo, existe um absoluto — a integração de todas as coisas — e existe uma independência no mundo relativo. É nele que costumamos operar, sem nos dar conta do vazio de um eu e do absoluto que integra todas as coisas.

Essa ideia, como expliquei na aula anterior, é completamente diferente da ideia de uma divindade. Uma divindade, tal como normalmente conceituamos, é um indivíduo ou poder em um plano, com ideias próprias. Muitas vezes, em textos sagrados, os deuses são descritos como poderosos, irados, impacientes, destruidores, criadores, etc. Essas descrições são de indivíduos separados de nós.

No conceito de absoluto no budismo, falamos de uma perspectiva em que todas as coisas estão integradas. Não é um indivíduo, nem um plano, nem algo que precise criar por impulso. Não é um deus criador, castigador ou premiador. O absoluto é a soma de todos os relativos, e não uma vontade individual.

Anteriormente, citamos o verso: “Se nos apegamos às coisas e aos fenômenos, perdemos a essência original e caímos nas ilusões.” É o que acontece conosco: nos apegamos a coisas, projetos, ideias pessoais e perdemos de vista a essência original — outra maneira de dizer absoluto.

Também de forma teórica, a tentativa de unificar-se com a verdade — outra maneira de se referir ao absoluto — ainda não é o Satori ou a iluminação.

[CONTINUA]


Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no dia 21 de setembro de 2024.