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Marcelo-san: Em que aspectos o Zen se distancia ou se afasta do lado primitivo humano? A alegoria dos “Dez Passos do Boi” trata desse assunto? O Boi simboliza este lado primitivo?
Sensei Genshō: Por que diríamos que existe nos homens algo primitivo e algo que não é primitivo? Isso é exatamente a questão de olharmos opostos. Uma coisa que me ocorre, que apareceu fortemente na nossa cultura, é o fato de a sexualidade ser vista no ocidente como “fonte do pecado”. Ontem eu estava falando com uma pessoa que foi educada em uma religião em que a mulher era vista como “provocadora do pecado”. E ela me comentou que a mãe dela, ao vê-la colocar um vestido, disse que ela “ia fazer os homens pecarem”.
Essa ideia é absolutamente estranha do ponto de vista do Budismo, porque o Budismo nunca viu a sexualidade como uma coisa errada em si. Nem a beleza como um problema. Ele simplesmente não viu isto, não trouxe isto para a cultura nos países budistas.
Então a ideia, inclusive, de que uma mulher é capaz de fazer os homens se desviarem é absolutamente estranha para o Budismo. Porque o Budismo veria o problema na mente do homem e não na mulher, não na mulher que ele está olhando, mas sim na mente dele. E jamais olharia a mulher como provocadora de um desvio da mente masculina, sendo necessário, então, cobri-la com vestes, impedi-la de usar brincos, enfeites, ou de enfeitar-se, ou qualquer coisa assim.
Essa ideia é absolutamente estranha, porque para o Budismo tudo é focado na mente e no olhar, e não naquilo que está sendo visto. É uma perspectiva completamente diferente. E se nós dissermos que existe algo primitivo, no homem ou na mulher por terem sexualidade, nós estaríamos negando a própria natureza do ser humano, tal como ele é constituído.
E, portanto, o Budismo não tem essa ideia, não vê isso. Simplesmente é uma ideia completamente estranha e, do ponto de vista budista, absurda. Isso não impediu jamais o Budismo, como vocês mesmos sabem, de desenvolver uma espiritualidade e uma ética profundamente sofisticada.
Na verdade, trata-se de um engano ao pensarmos que existe, por acaso, um homem primitivo dentro de nós que é inimigo da espiritualidade ou da divindade. Primeiro que no Budismo não existe uma divindade criadora e tão pouco nós poderíamos crer que nossa própria natureza tem algo errado em si, ela é simplesmente a natureza. E se é a natureza em si, ela tem sentido, tal como ela existe, tal como ela se manifesta.
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Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual 6 em julho de 2024.