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O Zen revolta-se contra o excessivo escolasticismo, as universidades de discussões extensas sobre detalhes da doutrina e aspectos diversos, que foram se tornando cada vez mais sofisticados nos primeiros mil anos de história do Budismo. É como se no Zen disséssemos que chega de discussão. O que importa é realmente uma compreensão além das palavras.
Portanto, vamos sentar e praticar o zazen.
A transmissão verdadeira é uma compreensão que o mestre pode reconhecer no discípulo. É isso que nós chamamos de transmissão hoje, não é como se alguém entregasse algo ao outro. Mas sim, frequentemente vemos nas histórias, o discípulo entende e então o mestre reconhece.
Lembro-me de um diálogo que tivemos dentro de um carro.
Eu dirigia um carro, Saikawa Rōshi estava junto comigo e havia mais alguém, não me lembro exatamente quem era. Falávamos sobre um kōan que ele propôs.
Esta pessoa que estava no carro perguntou: “Se o sino toca, quem soa? O sino ou a mente?”. Eu respondi: “Eu sou o sino”. Saikawa Rōshi, que estava ao meu lado, disse: “Ah, eu posso me aposentar!”.
E esse é um desses diálogos interessantes. Porque naquele momento havia o reconhecimento, ele compreendeu o meu ensinamento. Na realidade o sino e nós somos a mesma coisa em um universo unificado. E a pergunta quem soa, o sino ou a mente, que já foi respondida em outros diálogos, como “é a mente que soa”, afinal tudo é a mente.
Então essa resposta contrariava a própria tradição do ensinamento anterior. Mas Saikawa Rōshi entendeu instantaneamente, que era o caso de uma compreensão da unicidade de todas as coisas, e era a resposta que ele gostaria de ouvir. E por isso ele diz “eu posso me retirar, eu posso me aposentar”.
Então, não se trata de uma transmissão em que o mestre deu algo ao discípulo, mas em que o discípulo e o mestre partilharam da mesma mente, da mesma compreensão. O termo “kyōge”, ensina Mokugen Rōshi, significa ensinamentos fora dos padrões convencionais do Budismo.
Uma transmissão particularmente diferente dos moldes tradicionais, diz-se “betsuden”.
Portanto, “kyōge-betsuden” pode ser traduzido como uma transmissão diferente, fora das escrituras convencionais. Esse termo significa que no Zen a transmissão da mente búdica está além das palavras e letras, diferentemente das doutrinas tradicionais que dependem delas. Esta transmissão é passada da mente do mestre para a mente do discípulo, mas sem as palavras, através de um entendimento mais profundo.
Os ensinamentos não são transferidos por uma teoria intelectual, e essa transmissão não depende das palavras dos sutras, sendo transmitida intuitivamente, por meio da experiência, diretamente, de corpo a corpo e de mente para mente.
Existe no texto do Sandōkai, a ideia de uma igualdade universal que transcende o mundo relativo. Ela é indescritível e está além das palavras. É impossível ser tocada ou acessada diretamente pela mente discriminativa, ou racional. Por isso, como estratagema para sondar e intuir esta verdade universal, os mestres criam comparações, metáforas, analogias, alegorias, para representá-lo. E isso é uma coisa extremamente presente no Zen.
Eu vi uma citação que alguém colocou no Instagram e eu achei realmente muito boa. A frase é, a onda disse para o mar: “Como eu faço para despertar da ilusão de ser onda individual?”. E o mar respondeu: “Basta parar de agitar-se”. Que é o que nós fazemos. Nós nos agitamos com a nossa mente, com nossos pensamentos, com os nossos problemas, o que vou fazer amanhã, etc. E, por isso, estamos perdidos. Quando paramos de nos agitar, surge a oportunidade de nos tornarmos unos com tudo e libertos das nossas ilusões de separação individual. Mas, para isso, é necessário parar de agitar-se. E isso tem extremo sentido quando nos sentamos em zazen.
O poema nós ainda nem começamos, ainda estamos em considerações iniciais. Já é a terceira aula, e ainda estamos no título. Ele está cheio de uma coisa característica no Zen, que é a apresentação de ideias conflitantes, paradoxais. Claridade, “mei”, e escuridão, “an”, significam a luz e a obscuridade, respectivamente. Como expressões, se tornam exemplos genéricos, tanto como fonte original e afluentes, claridade e escuridão.
Os pares têm sentido bem concreto, não são vocabulários de um pensamento construído de forma abstrata. Portanto, como aspectos, diz Mokugen Rōshi, tais expressões são consideradas especialmente características do Zen Budismo, em que fonte original e escuridão são metáforas para representar o aspecto do mundo absoluto, enquanto afluentes e claridade representam os aspectos do mundo relativo.
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Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual 6 em julho de 2024.