O Dharma, incomparavelmente profundo e de uma sutileza infinita, é raramente encontrado, mesmo em milhões e milhões de ciclos universais. Possamos nós agora ouvi-lo, aprendê-lo, guardá-lo. Ouçamos cuidadosamente as palavras do Tathāgata.
Nós estamos retornando ao nosso estudo dos Elos da Originação Dependente. E hoje o elo que nos interessa é o décimo, que se chama Bhāva. Entre muitas traduções possíveis, quer dizer o estado do ser ou o estado da mente.
Nós vimos no Elo anterior sobre o congelamento das visões. Nós adotamos uma visão qualquer, guiados pelas nossas preferências, pelas nossas marcas cármicas. Todos os Elos que já estudamos antes e congelamos uma visão qualquer. Escolhemos uma visão.
Mas, em Bhāva isso torna-se ainda mais agudo, ainda mais forte. O ser se descobre em seu universo. Ele escolheu, ele construiu, ele congelou visões. E aí ele se descobre num universo particular, guiado por suas próprias visões. E quando ele escolhe esse universo, ele descarta todos os outros. Vejam como tudo isso está ligado à Avidyā (ignorância).
Quando, com a ignorância, escolhemos uma visão em uma figura reversível, vemos uma visão e não vemos a outra. A outra desaparece cada vez que vemos uma. Pode ser que, com um clique mental quase imperceptível, mudemos de uma visão para outra.
Mas quando nós mudamos de uma visão para outra, a visão anterior desaparece. Isso quer dizer que quando nós descobrimos um universo particular, nós descartamos os outros. Isso explica grande parte do que acontece em todo o mundo, não é só no Brasil hoje, com as visões políticas.
Uma visão política desconsidera a outra, parece que a outra não pode existir. As outras pessoas que têm uma visão diferente da nossa, parece que estão profundamente enganadas, elas estão num universo separado, vendo um outro mundo.
Como é insuportável para as pessoas que outros tenham uma visão diferente da dele, o que ele faz? Ele escolhe um universo, nas redes sociais, por exemplo, só de pessoas que tenham visões semelhantes a ele e vai descartando todas as outras. Como dizemos, as pessoas vivem em uma bolha. Essas bolhas e esses universos ficam tão fortes que, ao descartar todos os outros, parece que eles não existem, que são visões completamente equivocadas.
Então, cada pessoa constrói um mundo particular a partir dessas visões e a partir desse universo que ela construiu. Como vimos no Nono Elo, é um congelamento da visão e agora mergulhamos completamente naquele universo e parece que os outros universos não existem.
Ou seja, perdemos uma visão abrangente, complexa, multifacetada do mundo para escolher uma única visão e uma única interpretação do universo. E cada um desses universos, por exemplo, o universo da riqueza, desconsidera o outro.
Nós podemos ver isso nas nossas próprias cidades, em que a riqueza convive com a pobreza como se não tivesse uma fronteira. A pobreza está logo ali, A riqueza está logo ali. Uma rua separa uma da outra.
E cada um deles está vivendo um mundo com significados particulares. Nós podemos também criar um mundo de ódio. Um mundo em que toda a lógica do mundo é o ódio pelo outro.
O ódio pode ser por uma raça, por uma cultura e demoniza-se então o outro, como se o universo do outro tivesse que ser destruído para justificar o nosso. É exatamente o que nós verificamos nas guerras com fundamentos religiosos, por exemplo, como vemos no Oriente Médio. A visão de um determinado mundo com uma determinada visão religiosa descarta o outro, o universo.
E a única saída que parece restar para essas pessoas é a destruição do outro. Só a destruição completa do outro colocaria o mundo de novo nos eixos para eles. E se cada um dos lados se congela em uma visão desse tipo, cria um universo desse tipo, não há uma saída possível enquanto esse estado de mente, Bhāva, não mudar.
[CONTINUA]
Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual.