Hoje finalizaremos, com a Sétima Estrofe do Sandōkai, os comentários a respeito desse poema de Sekitō Kisen. A sétima estrofe fala assim:
Encontramos o Caminho do Buddha bem à frente dos nossos olhos, na realidade do aqui e agora.
Se marcharmos para fora e para longe de nós, como vamos encontrar o Caminho da Verdade?
Andar no Caminho Budista não é uma questão de longe ou perto, caminhemos de corpo e alma.
Se procuramos fora de nós mesmos, caímos nas ilusões e nos afastamos do Grande Caminho.
Respeitosamente, congratulamo-nos com aqueles que estudam o profundo Dharma budista.
Não desperdice o seu precioso tempo e sua inestimável vida em vão.
Entreguemo-nos ao Caminho.
Nessa tradução foi usada a expressão “corpo e alma”. Isso, na realidade, é uma concessão a um fenômeno interessante. Na nossa tradição mais conhecida, o cristianismo, nos tempos modernos, a alma é algo importante. No entanto, no judaísmo não havia o conceito de uma alma separada do corpo, e praticamente não há referências a esse tema no judaísmo primitivo.
O conceito de alma é platônico e entra no cristianismo alguns séculos depois do seu início. A ideia original era uma salvação na carne. Ela sobrevive até hoje, se prestarmos atenção, no credo católico: “Cremos na ressurreição da carne e na vida eterna.” É assim que termina o credo.
Por quê? Porque a salvação era vencer a morte, e não ter uma alma que vai viver em um paraíso separada do corpo. A salvação original é a ressurreição — ou seja, Cristo salva-se da morte através de vencê-la com o milagre de ressuscitar. Ao ressuscitar, vence a morte, e assim é prometido isso a todos.
Quando visitamos a Capela Sistina, no Vaticano, vemos no fundo da sala o grande painel que representa o Juízo Final. Nesse juízo, todos são ressuscitados e julgados. Os condenados são jogados em um inferno, um lago de fogo e enxofre, e são aniquilados, segundo o texto original. Os outros são salvos na carne.
Não há o conceito de uma alma separada de um corpo — e é importante ressaltarmos isso, porque no Budismo está claro que construímos nosso ego, nosso eu em nossa mente, e que não existe uma entidade chamada alma independente do corpo. Esse conceito platônico existia também na Índia e foi chancelado no início do cristianismo, restando esses resquícios que indicam que a crença original era a de uma ressurreição no corpo.
Por isso mesmo, por exemplo, os mortos são sepultados. No Ocidente, apenas recentemente começou a ser admitida a cremação, pois era visto como desrespeito dar um “trabalho maior” à divindade para propiciar a ressurreição de um corpo disperso. Muitas ilustrações ainda mostram a ressurreição com pessoas saindo dos túmulos — um grande problema matemático, considerando que até hoje viveram na Terra aproximadamente 105 bilhões de pessoas. Seria realmente um problema para o julgamento final.
Voltando ao texto, devemos compreender que o grande caminho deve ser encontrado dentro de nós e bem debaixo de nossos pés. Estar com os pés no chão significa não se deixar levar pelas próprias ilusões e egocentrismos. Essa tendência de nos perdermos em nossas ilusões faz com que a iluminação pareça distante, porque ela não é uma compreensão intelectual, mas o despertar para o fato de que somos muito mais do que seres vivendo a ilusão de uma existência fugaz — o que acontece aqui e agora.
Essa manifestação cármica que chamamos de nossa vida — nossa vida presente — deve nos conduzir a perceber a unicidade com todas as coisas, o nosso pertencimento ao grande oceano da existência, em vez de acreditarmos em um eu pessoal separado.
[CONTINUA]
Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no dia 12 de outubro de 2024.