[CONTINUAÇÃO]
Terminam-se essas considerações sobre esses versos e, considerando o aprofundamento do treinamento budista, devemos compreender que o apego às regras, aos ritos, à disciplina, não passa de mero egocentrismo. Assim, o mais importante não são as regras, mas, por meio dos olhos e ouvidos, encontrar a verdadeira fonte dos ensinamentos onde quer que os encontremos.
Este é o caminho direto para conhecermos a verdade do Dharma sem estabelecermos um caminho particular. De um lado, as coisas são assim: todas as regras, todos os ritos, todas as coisas que nós vemos na comunidade budista são meios hábeis criados para nos ajudar na nossa prática.
O próprio manto foi dado por Buddha aos monges, como uma maneira de distingui-los e de comprometê-los. É essa a origem do manto. E cada um dos comportamentos e das regras que criamos é para ajudar na prática, mas elas não são em si uma verdade, e podem ser alteradas — e foram alteradas inúmeras vezes pelos mestres através dos tempos, devido a circunstâncias.
“Ah, não, vamos mais fazer isso assim, vamos fazer de outra forma.” Depende da cultura em que estamos. Depende de mil coisas. Vamos adaptar. O Budismo não é rígido no sentido de que temos uma regra antiga e temos que seguir sempre a mesma regra, da mesma forma. Não é assim. Isso tudo depende das circunstâncias. Elas devem ser meios hábeis — meios hábeis para conduzir e ajudar as pessoas na sua prática.
Cada uma das coisas que fazemos é assim: roupas, símbolos, rakusu, manto, rituais — são meios hábeis. Por isso, um dos dez grandes impedimentos à iluminação é o apego aos ritos e cerimônias.
Agora, isso não quer dizer que nós vamos abandonar os ritos e as cerimônias, em absoluto. Nós vamos usá-los como meios hábeis, mas não podemos ser apegados a eles. Por isso, meu mestre, quando alguém fazia alguma coisa errada e chegavam a ele dizendo: “Saikawa Rōshi, fulano fez assim essa cerimônia”, Saikawa Rōshi respondia: “Não está errado. Ele fez diferente.” Porque não tem errado ou certo aí.
Então, se nos agarramos às palavras, não poderemos realizar o caminho verdadeiro. Esse deve ser incorporado por nossos próprios olhos, ouvidos, narizes e línguas. No caso de nos apegarmos às regras e ignorarmos a experiência cotidiana da vida, ainda que pratiquemos o Zen, não haverá progresso. Adquirir uma experiência direta da vida cotidiana é o mais importante.
Devíamos seguir o fluxo do tempo momento a momento. Deveríamos sempre perguntar-nos: “O que é mais importante fazer? O que é mais urgente?” Certamente reconheceremos a nossa maior prioridade no contexto atual, e assim poderemos atuar de forma completa e adequada. Isso não é nada mais que estarmos imersos no eterno presente do aqui e agora.
Enquanto vivermos simplesmente, desfrutemos nossas vidas.
Isso é o Caminho do Meio.
É a compreensão da unidade do absoluto e dos fenômenos.
Quando há essência, há fenômenos.
Quando há fenômenos, há essência.
Sendo aqui “essência”, de novo, uma palavra para substituir: verdade universal, absoluto, vazio, vacuidade.
Devemos seguir o fluxo do tempo serenamente, momento a momento. Podemos, sim, pensar e refletir sobre algo, mas não devemos nos agarrar demais às palavras e às regras. Com bom senso, devemos continuar a nossa prática — sem ignorar as regras, mas também sem nos prender rigidamente a elas.
Palestra proferida por Genshō Sensei em teishō na Daissen Virtual no dia 21 de setembro de 2024.