Vacuidade da indiferença | Monge Kōmyō

Vacuidade da indiferença | Monge Kōmyō

Pergunta do aluno Gabriel-san: No Sutra da Plataforma, o qual foi traduzido pelo senhor, existe um termo denominado vacuidade da indiferença. O senhor poderia explicar melhor o que seria a vacuidade da indiferença? E como ela se difere do vazio absoluto?

Kōmyō Sensei: Essa é uma questão profunda. E como aqui existem praticantes que possam ser ainda iniciantes, vou tentar ao máximo manter uma linguagem que seja acessível.
O “Sutra do Huineng” se trata de um compêndio de textos do grande mestre zen HuiNeng (WeiLang) que teria existido no século VII depois de Cristo. Essas palestras, e ensinos de Huineng foram organizados e transformados em um livro no qual seus ensinamentos são apresentados a partir de conceitos bastante profundos. No caso específico do termo “vacuidade da indiferença” seu sentido equivale ao termo “equanimidade”, que é a capacidade de uma mente contemplativa em atingir um ponto de equilíbrio tão harmonioso que ela se mantém una, coesa, equilibrada. Se mantém harmônica em sua essência.
Como ensina o próprio Huineng um pouco mais a frente, quando vemos bondade ou maldade em outras pessoas não somos atraídos por isso, nem repelidos por isso, nem agimos com indiferença em relação a isso. A mente é equânime. Ela trabalha num estado em que ela se mantém em absoluto estado de Samatha. Samatha, o termo em Sânscrito, significa em um sentido mais simples, paciência ou calma. A mente não se inclina a um lado ou ao outro, e nem se prende a qualquer lado.
E eu diria mais, a mente equânime também não tenta ser indiferente a um lado ou outro. Existe a necessidade fundamental da experiência de equanimidade ser realmente pura, sem qualquer reação do Eu. Quando a essência da mente se estabelece na percepção de um praticante, ele obtém a experiência de extrema e profunda calma, balanço e equilíbrio. É uma mente que atinge essa “vacuidade da indiferença”. Eu não gosto do termo diferença, mas quando eu traduzi esse livro, eu tentei me manter fiel aos termos aproximados do original. Eu sei que a indiferença pode causar muita confusão. Mas traduzir um texto do chinês antigo não é fácil. E como eu digo na introdução desse livro, estou fazendo a tradução de uma tradução. Por mais que essa tradução de Wong Lam tenha sido extremamente boa, ainda sim há margem para confusões.
Em relação ao “Vazio Absoluto”, este representa a Essência da Mente segundo Huineng. Esse é um conceito que pertence ao campo dos fenômenos de transcendência da existência. Como já afirmei antes, não gosto muito de entrar nesses conceitos porque há um risco de haver um excesso de intelectualização e muitas pessoas se perderem em elucubrações filosóficas. Eu vou até lhe dizer que… não! Os dois conceitos não têm relação direta no sentido prático.
O Vazio Absoluto é a própria Essência da mente. E como diz Huineng, “a vacuidade do não-vazio” em uma frase bem típica do zen. O Zen trabalha em paradoxos. Então a “vacuidade do não-vazio” é um conceito que transcende a capacidade da nossa mente condicionada de compreender profundamente. E nem precisa. Nós não precisamos alcançar ou entender esses conceitos. Eles existem no âmbito de uma experiência contemplativa muito profunda. E mestres como Huineng, traduzem essas experiências da melhor maneira possível. Como fonte de estudo histórico, esses conceitos são importantes para quem gosta de estudar sobre o budismo. Mas no sentido prático eu aconselho a não se prender demais nesses conceitos. Leiam. Procure entender melhor o que o conceito quer dizer, mas não caiam no erro de achar que durante o Zazen vocês vão literalmente experimentar esses conceitos.
O Zazen não é para se experimentar através de conceitos, mas para transcender a própria necessidade de palavras.


Resposta proferida por Kōmyō Sensei, no Daissen Virtual, em março de 2022.